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Fê Aguiar

Expectativas Pré-Iniciáticas


Quem nunca quis recomeçar? Quem nunca quis a oportunidade de zerar de alguma forma a própria vida, sem ter que abrir mão das memórias e das pessoas que ama?

Depois de quase 10 anos de iniciada no Candomblé, estou me preparando para a iniciação em Ifá. Quando me iniciei a primeira vez para um Orixá, eu estava na pior. Meu casamento havia acabado, 2 semanas após perdi o emprego. Com o casamento, eu havia deixado os poucos amigos de lado e fazia tratamento e acompanhamento para depressão. Éramos eu e minha filha de 1 ano e 2 meses.

Depois de ano após ano, ao ser colocada na fila de espera da iniciação, tinha chegado a minha vez. Em janeiro de 2006, fui iniciada no Candomblé e me tornei uma Ìyáwò de Oxum. Eu criei muitas expectativas com o processo iniciático. Eu acreditava, mesmo, que na semana seguinte à minha feitura, eu seria outra, pois, escutei de muitas pessoas que isso iria acontecer, e então, comprei a idéia. Me diziam que a minha vida estava aquela caca toda, porque Orixá estava me cobrando, e que após o processo concluído, a minha vida se tranformaria, e eu poderia começar a escrever minha história novamente.

Já no final do meu período de kelê, que durou três meses, de tão ansiosa que eu estava, procurei uma cartomante. Fui escondida do meu pai de santo, pois precisava saber o que tinha acontecido de errado, já que tudo continuava exatamente igual. Pra mim seria como mágica. Foi o que me disseram e eu acreditei. Me apeguei a essa oportunidade, como se fosse a última.

Seis meses depois, eu conheci meu atual marido - Olha as coisas melhorando! Minha Dofona, que fez santo comigo, conseguiu um emprego para mim na minha área, e finalmente, as coisas haviam começado a se encaixar, na verdade elas voltaram a andar e a seguir seu curso normal. No entanto, para mim, nada havia mudado. Ainda havia um vazio alí, que não tinha sido preenchido, justamente pela fantasia que eu criei com a iniciação.

Hoje eu penso que todos nós, nunca deixamos de ser crianças, somos sempre tão suscetíveis a imaginação, as fantasias, novelas e contos da Disney. Que bobos! A gente imagina que tudo vai mudar de uma maneira mágica, e a nossa vida vai se transformar, num best seller! Só eu pensei assim? Acredito que não. Todos nós alimentamos essa esperança ao passar por iniciações religiosas e agimos como se fóssemos coadjuvantes da nossa existência. Como se estivéssemos na poltrona do carona desta viagem chamada de vida.

Hoje eu sei, que não foi Oxum que me cobrou uma feitura de santo. Fui eu mesma. Eu e o Orixá mais importante para nós seres humanos: Ori. Eu tinha um casamento infeliz, um trabalho em que a empresa atrasava pagamentos e prestes à falência. Eu também tinha traumas da adolescência e uma solidão que andava comigo aonde quer que eu fosse e com quantas pessoas estivesse. Vejam só, tudo isso acontecendo, e eu achava que era Oxum me cobrando a feitura? Pelo amorrr... Talvez nessa época se eu entedesse um pouquinho de Ori, eu não teria me frustado tanto. A minha sorte, é que Oxum, Exú e Ogum, nunca deixaram de estar ao meu lado. Não para resolver os meus problemas por mim, mas para me dar forças para não deixar de lutar. Eles sempre fizeram questão de me mostrar de uma maneira singela que estavam alí.

Ao vir para o Culto Tradicional, eu "abri mão" de toda pompa de ser Egbon, de toda doutrina escravagista e do status que os anos de iniciada dão aos iniciados no Candomblé. Eu deixei a vaidade sem limites pra lá. Abri mão das roupas de richilieu e do brilho. Eu vim para começar do zero. Eu vim cuidar da minha vida, vim cultuar Orixá e permitir que ele me ensine como ser alguém melhor. Não vim buscar remédios sintomáticos, não vim resolver uma dor de cabeça. Eu vim curar o problema de coluna que me causava a dor de cabeça. Eu tenho um estrada para caminhar em um único sentido agora: para frente. Tenho consciência de Ori e um compromisso comigo mesma, além de uma visão diferente de felicidade, prosperidade e coletividade.

Hoje sei que não vou passar pelo mesmo processo frustrante. Não estou criando ilusões. Estou indo buscar em Ifá algumas respostas sim, mas não estou indo para um encontro com a minha salvação. Ifá poderá me orientar e dizer se está quente ou frio - Sabe aquela brincadeira? - Mas sou eu que continuarei procurando. Ifá pode me mostrar que estou em busca de algo que não me completará, e eu terei a oportunidade de pensar a respeito. Ifá me revelará, quais são os padrões de comportamento que me tiram do meu pré-destino, como comidas, cores e até atitudes, mas sou eu, que vou escolher em cumprir ou não. Vou conhecer todos os ewós que diminuem a minha força vital e me desviam do meu propósito. Vou receber um novo Odu, e saber quais são as energias de Orixás que eu preciso em minha vida.

Resumindo, estou indo receber artifícios que amenizam as dores e o cansaço da caminhada. Vou receber um manual personalizado de instruções com o título: Faça Valer a Pena! Talvez eu ganhe um confortável par de sapatos. A caminhada é minha, e o que eu vou fazer com esses artifícios é que vai dizer, se valeu ou não, todo e qualquer sacrifício.

Orire O!

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