Não sei se é a idade, ou se são os novos tempos, só sei que o Réveillon não tem mais a mesma graça de antes. Hoje tenho que me esforçar para entrar no clima de renovação e esperança. Me esforço mesmo, pois sei que é importante para todos nós seres humanos, e não posso privar as minhas filhas desse sentimento bom, que um ano novinho pode proporcionar. O mundo dos pequenos é fantástico!
Eu mesma, quando era criança me preocupava com Deus. Isso mesmo, eu pensava assim: Todo mundo pede coisas a Deus o tempo todo, mas será que alguém se perguntou uma "vezinha" sequer se Ele estava precisando de algo? Eu ficava com raiva do egoísmo das pessoas, vê se pode? Eu sei que é coisa de criança, e de alguma forma um pensamento um tanto quanto cristão, de um Deus antropomórfico no Orun, que cuidava ao mesmo tempo de bilhões de pessoas. Só sei que toda a noite, quando eu rezava eu dizia: Deus eu espero que você esteja feliz. E as vezes eu achava que ele me respondia que não estava bem, afinal de contas o Jornal Nacional não tinha uma coisa boa para contar. Eu ficava triste e as vezes chorava. Quando alguém me pegava chorando eu colocava a culpa em qualquer coisa, não queria pagar de doida. Eu tinha medo que Deus ficasse tão triste ao ponto de desistir de nós. Deus não tinha criado nada disso e sim nós, os homens.
Depois, eu comecei a me questionar sobre os Orixás, eu os via como ajudantes de Deus, para organizar o caos que era o mundo. No Candomblé aprendemos que cada indivíduo é filho ou filha de um Orixá. Comecei então a enxergá-los como anjos da guarda, bem cristão, eu sei, mas fazia muito mais sentido do que um único Deus, responsável por absolutamente tudo e todos.
Quando me tornei mais adulta e passei a estudar, começou a fazer mais sentido para mim que Deus e Orixás fossem energias inteligentes. E com certeza, inteligência é uma palavra muito limitada e rasa para descrever todo poder e forma de atuar do sagrado. Acabei de perceber que eu não tenho capacidade de descrever com segurança Deus nem os Orixás. Um bom exemplo de uma palavra nova que conheci essa semana: ALEXITIMIA: {s.f} Inabilidade, incapacidade de descrever algo ou expressar sentimentos e emoções. No entanto, tenho algumas certezas sobre Orixá sim, vindos da minha vivência e que servem para minha vida, e é o que ensino para as minhas filhas. Orixá reage sempre na mesma intensidade e proporção do que você oferece a ele. Ele entra na sua vida proporcionalmente ao tamanho da porta e da dedicação que você oferece a ele. Ele vai atuar na medida que você o cultuar e permitir. Se ele estiver em sua vida pela metade, eles retribuirão da mesma forma. Orixá é sempre reativo e proporcional. Por exemplo, há 50 anos atrás quando os Candomblés batizavam seus filhos, era aceitável, afinal éramos ignorantes e privados de informações, mas hoje, qual o sentido que isso faz? Apenas no caso de famílias com duas crenças diferentes, faz algum sentido, até que a criança faça a sua própria escolha. Eu não batizei minhas filhas, elas não precisam de um ritual de nenhuma outra religião emprestado e nem a benção de um padre ou pastor. Orixá só não está presente na minha vida em discussões na roda de amigos com religiões diferentes. Não envolvo Orixá, como cristãos envolvem Jesus na política por exemplo. Só falo a respeito, caso me perguntem. Sei que não somos portadores de uma verdade absoluta e respeito escolhas. No restante, orixá é o meu dia a dia. Não há metade. Todas as manhãs eu convido todo o panteão a proteger a minha família e todas as pessoas que amo. Em todas as refeições eu agradeço. Em todas as situações eu me apego a eles. Eu me policio para não medir esforços nas obrigações e funções. Quando erro, fico mal, e me proponho ao máximo não repetir a bobagem. Gosto de citar um trecho do livro de Bàbá King - OGUM - DOR E JÚBILO NOS RITUAIS DE MORTE, PÁG 10. EDITORA ODUDUWA.
"Não se professa Candomblé como religião, e batiza os filhos, casa e celebra missa de sétimo dia, recebe extrema unção, faz primeira comunhão e crisma na religião católica. Afinal, água e óleo não se misturam. Depois de misturados, a água não serve para beber e o óleo não serve para fritar. Principalmente se for água benta e azeite de dendê." Que permitamos que Orixá atue e esteja em nossas vidas. Que tenhamos consciência de que precisamos ser coerentes até mesmo com os nossos sonhos e desejos. Afinal, não somos mais ignorantes, temos acesso à informação. Permanece ignorante quem quer, é uma opção. Nossa fé possui regras de comportamento que são acessíveis a todos. Se continuarmos acreditando que podemos nos comportar de qualquer forma, sem caráter, com fofoca, sem ética, sem verdade, sem dedicação, a vida será coerente, e o ano de 2016 será como todos os outros, afinal de conta o tempo é linear, quem tem que mudar somos nós.
Sendo assim, eu desejo para todos nós coerência, atitude e renovação. Desejo também para mim, para a minha família de sangue e de axé, assim como para todos os que leem este blog e que me mandam mensagens de carinho e de incentivo, que consigamos escancarar as nossas portas e que Orixás estejam presentes em todos os momentos de nossas vidas, e não apenas quando precisamos deles.
"Aquele que não sabe dançar irá dizer: A batida dos tambores estão ruins."
PROVÉRBIO AFRICANO
* Fonte da Imagem: http://iznogoodgood.tumblr.com/archive - Artista desconhecido.