Há mais de 15 anos, um cristão me disse que eu cultuava Deuses que tinham tantos defeitos quantos os homens e que isso os deixavam longe do que era de fato divino.
Me calei envergonhada. Não sabia o que dizer e nunca tinha parado para pensar dessa forma.
O tempo passou.
A cada itan que eu lia percebia que os Orixás em suas histórias cometiam erros e os seus erros geravam consequências em suas vidas. Eram diferentes das histórias de Jesus em que ele era sempre santo, misericordioso e sempre tão nobre em suas atitudes. Jesus nos ensina coisas maravilhosas como o amor ao próximo, a bondade, e a misericórdia. E era justamente por isso que eu o via muito longe da realidade. Ao meu ver, se eu seguisse todos os exemplos do Deus cristão eu seria engolida pela sociedade.
As histórias dos Òrìsà(s) eram muito mais reais, eu podia trazer todas elas para a minha vida, para o dia a dia, bastava observar, não cometer os mesmos erros e repetir os bons exemplos.
Todas as manhãs quando o sol se ergue no horizonte, ele nos chama para viver. O nosso Ori nos desperta e nos chama pra sobreviver mais um dia e ao despertar por completo, ele pode nos fazer as seguintes perguntas:
O que você vai plantar hoje?
Ao que você vai dar continuidade através do trabalho e da persistência?
Quais são os desafios que você vai ter que enfrentar hoje para ir em busca dos seus sonhos ou defender a sua lavoura?
Não importa qual seja a pergunta que cabe para mim ou para você. Independente da resposta vamos sempre precisar de alguns atributos:
Paciência
Organização
Disciplina
Responsabilidade
Compromisso
Se não erguermos estes alicerces em nossas vidas, seremos apenas mais uma pessoa na multidão, frustrados com o passado e desesperançosos com o futuro.
A vida é uma selva, todos nós temos cicatrizes, e só sobrevivem aqueles que conhecem as artimanhas e os segredos dela, é isso que os Òrìsà(s) nos ensinam. Precisamos compreender o valor do plantio, a espera e a persistência dos nossos esforços semearem bons frutos ao invés de sermos imediatistas e não entendermos o valor do tempo. É o tempo quem garante raízes profundas e é a persistência que certifica a qualidade.
Ser paciente, não é ser inerte e apático diante da vida ou ficar à deriva do tempo, aguardando a sorte bater em nossa porta. Ser paciente é valorizar o labor diário, é ser forte diante dos imprevistos e obstáculos e mesmo assim insistir. Ser paciente é saber que nem sempre sua semente irá florescer, e ainda assim, plantar novamente e de novo e de novo... e quantas vezes forem necessárias. É finalmente entender que não existem atalhos para o sucesso e que se não houver sacrifício, trabalho, persistência e paciência nada germinará, e se germinar, será fraco e o no primeiro vendaval o vento levará. É como a história dos três porquinhos e o lobo, que aprendemos na infância e esquecemos na fase adulta.
Muitas vezes optei por caminhos curtos, que pareciam seguros, mas no final eles eram frágeis demais para os meus planos. Não optei por esses caminhos porque queria trabalhar menos, e sim porque eu queria ganhar tempo. Só que a vida me mostrou que não se ganha tempo, sem se ter paciência. Gasta-se muito mais tempo desistindo e começando, do que insistindo e lutando. O tempo vai passar de qualquer jeito, e quando ele passar a gente vai olhar para trás e não vai ter construído NADA.
Colhe quem tem paciência e disciplina. De mãos vazias e com o caos em sua vida, ficam aqueles que sempre optaram pelo caminho inverso.
É aqui que se dividem os verdadeiros devotos/filhos de Èsù daqueles que jamais saberão o que é a vitória. Não é atoa que Èsù é Olówó Òrìsà (Orixá que trás dinheiro, fortuna e prosperidade). Ninguém é capaz de ter dinheiro, fortuna e prosperidade, ou de mantê-los em sua vida, senão através do ase de Èsù.
Quando os alicerces de Èsù, não estão firmes na vida de um devoto, ele passa a ser o Òrìsà Alágógo-ijá, Orixá e Senhor do sino da discórdia, justamente por que onde não há disciplina, organização, paciência e compromisso há desordem.
Faço a leitura desse sino como um som de aviso, de alerta para nós mesmos, para que possamos estar atentos as nossas atitudes. Nada tem a ver com o mal que Èsù trás para a nossa vida e sim o mal que nós mesmos instalamos.
O sino da discórdia não para de tocar quando a gente faz ebó, ele para de tocar quando mudamos as nossas atitudes, e não é de um de um dia para o outro, leva-se tempo para construir e mais uma vez precisamos de paciência.
É Èsù e Ògún que dividem os vitoriosos e os fracassados, é na casa desses dois Òrìsàs que a "sorte" mora. Aqui moram todos os que concluem aquilo que começam, o que não se sabotam e não mentem para si. Se persistir e lutar fosse fácil, qualquer um conseguiria.
A maioria de nós aumenta os nossos problemas, e transforma quebra-molas em montanhas, para valorizar o esforço que foi feito e justificar a desistência, a falta de disciplina e impaciência. Quem nunca? Todos nós já fizemos isso. A grande questão é tornar-se um hábito. E a única pessoa que pode honestamente nos julgar somos nós mesmos, podemos mentir para qualquer um, menos para o nosso Ori.
Se pergunte com verdade, olhando seu reflexo no espelho e responda: Quantas vezes você desistiu por acreditar que haviam opções mais fáceis? Por impulsividade ou por uma análise superficial sem julgar a sua própria impaciência?
Quanto tempo de fato cada um de nós dedica para os nossos sonhos diariamente, com disciplina e foco?
Com a internet, as redes sociais e todo o entretenimento que ela oferece, fica cada vez mais difícil encontrar de fato pessoas que possuam os predicados de Èsù. E quando Òrìsà Alágógo-ijá chega, fica muito mais fácil colocarmos a culpa na vida, nos outros e até no(s) Òrìsà(s).
Bem que eu queria chamar a pessoa que me disse que os meus deuses não eram divinos, depois de 15 anos e dizer:
- Ei, sabe aquela vez que você me disse tal coisa e eu me calei? Gostaria de te responder agora, mesmo 15 anos depois:
Os meus Deuses de fato não são perfeitos para você. Meus deuses me chamam para as minhas próprias responsabilidades e fazem de mim, dona do meu caminhar. Os passos deles, sigo como exemplo, para ser uma vencedora. Meus Deuses não aceitam a terceirização de culpa. Meus deuses não aceitam vítimas como devotos e nem ovelhas, somos um exército de leões, prontos para sermos reis de nossas vidas.
Quem tem Òrìsà, quem compreende Òrìsà e vive Òrìsà, tem tudo o que precisa.
Ire O
Ifásola Sówùnmí - Fê Aguiar
Saiba mais sobre a autora AQUI.
Bibliografia:
Exú e a Ordem do Universo - Bàbá King e Ronilda Iyakemi - Editora Oduduwa
Imagem: http://olhares.sapo.pt/a-primeira-estrela-da-noite-foto3989716.html