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Ilẹ - A base da vida


A cada dia que passa, percebo que vamos nos distanciando de nossa essência natural, a sociedade como um todo, se distancia da natureza, como se fossemos seres independentes, enquanto somos na verdade parte de um todo.

Quanto menos pé no chão e mais tecnologia, menor fica a nossa conexão com os Òrìsà, pois temos a falsa impressão de que não dependemos da natureza por ela parecer distante. Religiões, que deveriam religar o homem ao sagrado, pautam seus valores na ascensão material como sinônimo de sucesso e bençãos. As religiões cristãs não possuem nenhuma conexão com o meio ambiente, reparem. Fato criado na origem da igreja para afastar os homens dos conceitos pagãos. A palavra "PAGÃO" vem do latim "paganus", que é aquele que mora no "pagus", no campo, na Natureza, ou seja, alguém que vive integrado e dependente da natureza. O que na verdade somos até hoje: Dependentes da Natureza.

Uma das melhores formas de se sentir parte do mundo e de exercitar a nossa espiritualidade é justamente esse contato e observação da Natureza e com a própria Terra.

No último domingo brinquei com minha filha caçula de fazer comidinha. Pegamos terra, água, folhas e flores. Fizemos um delicioso ensopado de legumes, de mentirinha, suco verde de ewe Dundun e um mousse de chocolate feito de terra. Trouxemos duas bonecas para comer e no final estávamos as duas todas cheias de terra. Era um final gostoso de tarde, do sol ameno e isso lembrou minha infância.

Pare apenas por um instante e reflita, como nossos avós eram muito mais próximos da natureza e como a espiritualidade interagia muito mais com os nossos mais velhos. E o que são os Òrìsà se não a própria natureza, e o que somos? Se não parte dela?

Eu brinquei muito de fazer comidinha com folhas e flores, subi em muitas árvores, comi muito bicho de goiaba e só andava com os pés no chão. Minhas redes sociais eram as calçadas na frente da minha casa, numa cidade serrana. Tomei muito banho de chuva para comemorar o fim da seca, assei castanha de caju no tijolo e debulhei milho. Corri atrás de galinha, coloquei rã dentro da caixa de fósforo pra assustar minhas tias e peguei bicho de pé. A terra sempre foi meu quintal, meu espírito em alegria e o meu encontro com Eledumare (Deus).

No Culto Tradicional Iorubá, não começamos (falo aqui por minha família), nenhum ritual sem antes saudar a Terra (Ilẹ), a maior testemunha da vida em àiyé. Ela que viu todos os que aqui chegaram e todos os que partiram.

Por favor, reflita apenas um pouco sobre a importância da Terra, de Ilẹ ou Onilẹ (Lê-se: Ilé com o som agudo no “E”, pois Ilê significa casa).

Possivelmente você já viu o seu sacerdote invocando Ilẹ, mas em algum momento você já se perguntou o motivo?

Normalmente se diz:

Ilẹ mo pe Ilẹ mo pe

Ilẹ mo pe…

Mo júbà

(Ilẹ eu te chamo 3x, meus respeitos)

Como testemunha de todos os acontecimentos em Àiyé, sua força e resistência, precisa sempre estar presente em nossos rituais. De onde tudo veio, para onde tudo retorna.

Ilẹ, aquela em que nos apoiamos para caminhar durante toda a nossa vida, e que é a testemunha de nossa existência. É ela quem recebe a morte em seu seio e a transforma em vida novamente. Que transforma a nossa carne morta em adubo. A grande regeneradora do mundo, presente em todos os lugares, até mesmo no buraco mais fundo do Oceano. Sem ela nem ao menos existiríamos. Transformadora da vida, morte e vida e alimenta todos os que aqui viveram, os que vivem e os que viverão. Sem Ilẹ não é possível.

Ilẹ possivelmente é um dos poucos Òrìsà que não passou pelo processo de antropomorfismo, que refere-se à imagem de um Deus em uma imagem humana, em sua forma corporal e até mesmo das emoções humanas. E é através dela, de Ilẹ, que é possível ver a vida de uma forma nada religiosa e sim lógica e muitas vezes que nos ajuda a despertar para as regras da vida. Como já disse algumas vezes em outros textos, as leis que regem países podem ser diferentes de um local para o outro, mas as leis que regem o Universo, são as mesmas para todos.

Escolha o que você vai Dar, pois irá Receber

Quando eu planto algo e o cultivo, eu recebo algo em troca.

Paciência é uma das chaves da felicidade.

Estamos diante de uma geração que além de terem pouco contato com a natureza, ele são imediatistas. Ilẹ nos ensina que para colher é preciso plantar, assim como é preciso esperar o tempo correto da colheita.

Estamos todos ligados

Somos um macrossistema que integra milhares de microssistemas, em que todos são co dependentes uns dos outros. Todas as suas atitudes serão refletidas em você e na sua comunidade.

O Equilíbrio é a verdadeira Perfeição.

Onde se encontra Ire (sorte) ? No equilíbrio.

Regras como essas não tem absolutamente nada a ver com religião. Tenho certeza absoluta que foi observando a natureza que os nossos antepassados adquiriram sabedoria para sobreviver e a cada geração aumentar a nossa expectativa de vida.

Em Irete meji se fala de Ilẹ como o elemento de adoração, vista como a força mais importante e dominante na criação. Ela protege todas as criaturas vivas e não vivas de Olodumare. Ilẹ, de acordo com Irete Meji engloba rios, lagos, mares, colinas e montanhas.

O verso abaixo de Ifá em Irete Meji, resume a importância de Ilẹ

Iyan bemu – bemu nii kun inu igba

Oro bemu- bemu ko kun ikun agbalagba

A difa fun ILE

To ni oun loun o kere gbogbo aye je

Ko I pe

Ko I jina

Ki ire gbogbo

Ka I ba wa ni jebute ire

Tradução:

Inhame batido pode encher um prato até que alguém não aguente mais falar

Não importa o quão secreto seja, o segredo permanecerá seguro

No repositório (na mente) de um sábio ancião

Declarou o oráculo de Ifá para Ilẹ

Que ansiava por adoração universal

Pois toda a prosperidade se encontra em seu domínio

Orunmilá nos diz que Ilẹ consultou o oráculo de Ifá perguntando como Ela poderia

lucrar com as construções e bênçãos dos homens na vida.

Ifá indicou o sacrifício.

Ilẹ concordou e ofereceu o sacrifício como indicado por IFA.

Na verdade, o trabalho e o lucro de todos os vivos vem sendo devolvidos a Ilẹ com lucro. Nós construímos e todos os nossos empreendimentos e investimentos, assim como nossas conquistas e nossos filhos, só são possíveis por causa de Ilẹ - e para ela retornamos - para o seio da terra - depois da nossa jornada terrena. Nós crescemos, lutamos, nos tornamos pobres ou ricos na terra e mais tarde todos nós seremos engolidos por Ilẹ. A riqueza e a pobreza dos homens em vida, acabam na morte, no ventre da Terra.

É observando a natureza e nos integrando à ela, é que encontramos a nós mesmos. Quanto mais longe da natureza estivermos, mais longe de nós mesmos estaremos. O que você tem consigo hoje, que a Terra não irá comer no futuro? O que você está construindo para os seus descendentes e comunidade? Quais são os valores, ensinamentos e sabedoria que você deixará aos teus? Quais são os exemplos de caráter?

Quer o conselho de uma velha amiga?

Quer cultuar Òrìsà? Se desprenda dos valores cristãos ao cultuá-los. Pense e Reflita. Viva com os princípios da Natureza e comece tentando não julgar. Entenda o mínimo das liturgias que você faz parte em seu lugar de culto religioso, elas contém ensinamentos preciosos se você for capaz de analisá-los. Talvez assim consigamos nos reencontrar em nossa essência e compreender do que de fato somos parte e encontrar o nosso lugar no mundo.


Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você)

IfáṢọlà Ṣówùnmí - Fernângeli Aguiar

**Toda experiência citada neste texto são pessoais e não se tratam de uma verdade absoluta perante a diversidade do culto dos Orixás seja brasileira ou africana.

Observação: As acentuações do Iorubá deste texto podem conter erros.

Fontes de Pesquisa:

Fonte do ese Irete Meji - EGBE IRELAYEO Baba Fayemi Fatunmbi Fakayode


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