
Nos últimos anos perdemos grandes mestras e mestres do Candomblé, as portas do Orun parecem estar abertas para receber nossas grandes bibliotecas. A pandemia que ainda estamos vivendo, mesmo que de maneira menos letal, levou muitos Olorisa (Expressão que se refere tanto a Babalorisa quanto a Iyalorisa).
Este ano completará 15 anos que perdi meu Babalorisa, Uibacy Domingos D'avila, conhecido como Tito de Omolú ou Tito de Exú, muito conhecido em Brasília. Fui a última Iyawo iniciada por ele. Meu pai foi conhecido no Distrito Federal como um grande feiticeiro - e realmente ele era -, muitos tinham medo dele. Histórias com o nome dele renderam antes e após sua morte. O que sei e vivi, foi a força desse homem, mesmo que muitos tivessem reclamações sobre ele, à mim, em minha presença, sempre me tratou com respeito, carinho e me chamava pra "passear no bosque", enquanto me contava histórias de Osun, das aventuras da vida dele, que eram sempre emocionantes e dignas de filmes e também me ensinava sobre folhas.
Ele dizia: - Fernângeliss (com esse S mesmo no final, era assim ele me chamava), pegue essa folha, amasse com as suas mãos e cheire.
Depois de sentir o cheiro, ele me explicava algumas das funções daquela folha. Ele até me ensinou que quando eu quisesse falar algo mais sério com Osun, devia colocar uma certa quantidade de flores de Ewé Sawerepepe na boca. Eu ficava tão feliz, me sentia grata por aquele momento com ele. Fui uma adolescente que amava estar no Ilè, então cada momento em que ele me ensinou uma vírgula, foram sagrados.
Pai Tito não era fácil, mas tinha um carisma único. Sua voz grave e alta em seus aproximados 1,80m impunham respeito a quem quer que fosse. Gostava de uma boa bebida e uma boa comida. Inclusive me ensinou a fazer strogonoff com conhaque e a usar pimenta rosa na comida. Hoje, não me importo com que possam vir a falar sobre ele, sendo verdade ou mentira, tenho orgulho de ser filha dele. Sabe por quê? Porque ele era um grande Rei, um grande líder, com grande poder de realização, visionário, destemido, feliz e louco. Louco? Isso mesmo… rs, as melhores pessoas são. Num é assim que diz?
Quando o Pai Tito retornou ao mundo dos Ancestrais, algumas pessoas fizeram terror comigo, dizendo que eu seria a primeira a ser perturbada por ele, justamente por ter sido a última Iyawo. Diziam: Você tem um ano para tirar a mão de Vumbe.
Tirar a mão de Vumbe tem origem Banto/Bantu nos Jipangu Malunda Bantu, tradicionalmente chamado de Maku ia Nvumbi, os ritos tradicionais desse povo. Os nossos maravilhosos e veneráveis ancestrais que vieram de Congo/Angola também fazem parte da raíz que deu origem ao Candomblé de Angola. Segundo o artigo do Mestre em História Robert Daibert, "Os povos bantos acreditavam que as almas dos mortos tinham que atravessar a grande massa de água para se encontrar com seus antepassados, sem contudo abandonar completamente o mundo dos vivos. Isso porque a morte era entendida não como extermínio do ser, mas como diminuição de sua energia vital."
Portanto a crença e o rito de Tirar a mão de Vumbe, existe dentro do Candomblé originalmente trazida pelos povos Banto. A necessidade deste rito dá-se pelo credo que o Sacerdote(isa) não abandona totalmente o mundo dos vivos e pode ainda ter influência sobre a vida de seus iniciados.
Vale a pena relembrar que o Candomblé é brasileiro, uma religião de resistência, nascida no interior das senzalas, em que os nossos ancestrais dançavam a ciranda da saudade de seus povos e lutavam para manter suas tradições de onde foram tirados a fórceps. O Candomblé nasce da oposição e da força dos povos que vieram de Gana, Nigéria, Benin, Angola, Togo e outros locais. A Ancestralidade reunida na unidade do Candomblé, em que alguns ritos se estabeleceram, mas que não necessariamente são premissas para as demais tradições.
O que quero dizer é; mesmo que para o povo Banto haja logicidade o ritual de tirar a mão do falecido da cabeça do iniciado, essa tradição não faz parte da Tradição Yorùbá. Mas são os Yorùbá que estão certo? Claro que não! Quem somos nós para dizermos quem está certo ou errado? Vamos apenas abordar uma outra visão.
Ano passado e retrasado, aproximadamente 10 pessoas me procuraram, contando-me que seus iniciadores haviam partido para Orun com o Covid. Me pediram para fazer o ritual de Mão de Vumbe. No entanto, eu não realizo este ritual.
Não quero aqui convencer ninguém de nada, como sempre fiz, quero convidá-los a pensar. Sendo assim, vou fazer algumas perguntas para que vocês reflitam sobre o assunto, ok?
1. A Religião Tradicional Yoruba é uma religião Iniciática, eu só sou iniciada quando alguém me transferiu o Àse para que eu também me tornasse uma Iyawo/Iniciada.
Quando essa pessoa retorna para Orun, eu tenho que retirar o Àse dela de mim?
2. Na Religião Tradicional Yoruba a base de tudo é a Ancestralidade. Nós somos a continuidade daqueles que foram antes de nós, e iniciaram a caminhada para que possamos continuá-la. Os que vierem depois de nós deverão continuar na estrada e colher os frutos das sementes que plantamos e assim será, enquanto a continuidade existir.
Quando um dos meus ancestrais (biológico ou espiritual) retornar para Orun eu devo negá-lo e retirar o Àse que a mim foi doado?
3. Se você tinha boa relação com o seu Olorisa, por qual motivo lógico ele lhe prejudicaria após a partida dele para o Orun? O que pode ser um fato diferente, é caso você ficou devendo algo para ele/ela. O que neste caso deve ser consultado no Eerindilogun.
4. A Gratidão faz parte da nossa base filosófica, salientado em vários Odù, incluindo Ose (Eerindilogun) e Ose Meji (Ifá).
5. Não sabemos, essa é a realidade, o que acontece com o Olorisa em Orun ao retirarmos a mão dele sobre nós. Isso não lhe parece um ato estranho?
6. Em todas as Ijuba (primeiro ato ritualístico em praticamente todas as cerimônias) deve haver reverência a todos aqueles que abriram o caminho para que você pudesse estar alí realizando o ritual.
OK. Eu os reverencio, mas tirei a energia dele do meu Orí. Faz sentido isso para você?
Há uma Ijuba, divulgada pela Iyanifa Chief Fama, com quem tive a honra de trocar algumas mensagens que diz o seguinte:
..."Dou a vocês os meus respeitos, por favor sustentem-me em todos os meus esforços nesta vida; Sejam por favor o meu pilar para o êxito e a força em minha vida; Os reverencio com respeito e humildade."
E assim sigo, acreditando na força dos dizeres desta ijuba, e aconselhando a viver assim a quem eu oriento. Mesmo que em algum momento tenha havido ingratidão, sempre dá tempo de voltar atrás. Nós só somos, porque eles foram antes de nós.
Este é um texto com base no que conheço da Esin Orisa Ibile, e em uma breve conversa com vários sacerdotes nigerianos de cidades diferentes.
Até o momento não conheço nenhuma cerimônia YORUBA que tenha o propósito de "TIRAR A MÃO do MORTO", de quando um Olorisa parte de Aye.
Então em todas as minhas Ijuba, após saudar meu Babalawo, meu Ojubona e todos os meus iniciadores, incluindo os que já partiram, passei a saudar meu Babalorisa Tito de Esu, para que ele também seja meu pilar, pois ele foi o primeiro a ver em uma consulta aos búzios em 1992, que os Orisa fariam parte para sempre da minha vida.
Espero que quando chegar a minha hora de retornar ao Orun, que o senhor esteja lá para me receber juntamente da minha avó Rita.
Honrem os seus Ancestrais Espirituais. Eles lhe apoiarão.
Ọ̀nà’ re o
Iyalorisa Ifásolà Ẹgbẹ́kẹ́mi
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