Você é de que tempo?
Neste momento agora estamos vivendo o tempo da perda do conhecimento, em função do comportamento humano. Mesmo que hoje hajam muitos livros, saiba que 99,9% deles fornecem ensinamentos pela metade, sempre faltando a cereja do bolo.
Eu sou do tempo em que nada era mais importante que o sagrado. Sou do tempo em que o tempo do Òrìsà era respeitado e que fazer as coisas com pressa não fazia parte desse viver.
Todos nós que cultuamos Òrìsà já ouvimos pelo menos uma vez a máxima “ko si ewe, ko si Òrìsà”- Sem folha não tem Òrìsà. Falamos isso numa propriedade abundante, no entanto nos urbanizamos e banalizamos o culto dos Òrìsà, como se tudo fosse apenas eje (sangue) e este é mais um olhar que mostra que nos perdemos do sagrado. Há tanta importância por aí para a galinha, para o galo para o cabrito (que fazem SIM parte da liturgia e são insubstituíveis), mas pergunto: E as folhas? Não é o que tanto se diz? Que não tem Òrìsà sem folha? E onde estão as folhas na hora de fazer um assentamento? Onde estão as folhas na hora de um nascimento de Òrìsà? Assim como o eje, as folhas também são insubstituíveis. “Ko si ewe, ko si Òrìsà”
Quando estive na Nigéria eu cantei para as folhas, assim como eu cantava quando criança no Candomblé dos anos 80 e 90. Vi também o dito culto TRADICIONAL no Brasil ser feito com qualquer folha, visando o prático o rápido e se perdendo da base do que de fato é tradicional. O problema nunca são as religiões e sim as pessoas.
Nos perdemos da importância dos pés no chão e demos espaço para sapatos e saltos que tentam mostrar ao outro que não precisamos mais estar descalços, porque atingimos algum nível de grandeza, que EU não consigo reconhecer em ninguém de sapatos e nariz arrastando no teto. Os sábios sabem que isso jamais acontece, pois perante os Òrìsà seremos TODOS sempre crianças.
Há 50 anos apenas, estávamos muito mais perto de Òrìsà, porque o que as pessoas não compreendem é que Òrìsà não está na internet, no Facebook ou em livros. Òrìsà está no mato, está na mata, está na água corrente ou no mar, no sol e na terra fria e quente, está no fogo que transmuta. Em algum ponto dessa história, o culto aos Òrìsà soltou a mão da ancestralidade e se perdeu. Nós nos urbanizamos e dia após dia estamos cada vez mais longe do Òrìsà. As pessoas esqueceram que somos um ecossistema e que fazemos parte dele, que dependemos dele para absolutamente tudo, que somos continuação, e que principalmente não devemos esquecer aquilo que os nossos ancestrais nos ensinaram.
Cada ancião que morre, é uma biblioteca que se queima.
Diz o dito popular que se estende por todo Oriente.
Muito do conhecimento sobre as folhas se perdeu. Se perdeu porque os que sabem não encontram confiança em praticamente ninguém para ensinar, aquilo que aprenderam com os seus mais velhos. Existe uma folha, por exemplo, que tem o àse de criar ilusão (Se usada da maneira correta e se despertada também corretamente, não adianta apenas saber qual é a folha) Se eu ensino isso para alguém que não tem ìwà (caráter), e essa pessoa faz uso do ensinamento para se beneficiar e/ou prejudicar alguém, você concorda que eu serei coautora? Pois é. Assim como eu muitos pensam assim e no fim os fundamentos morrem junto com a pessoa.
Em terras Yorúbà a maioria das folhas são mato como a ewe aje sefun, ewe gbegi, ewe labelabe, ewe tete e ewe rinrin. Nos últimos dias inclusive aprendi mais duas folhas que são mato aqui para nós, que eu sempre tinha em casa, mas não conhecia o fundamento delas e aprendi que são folhas usadas para Osun e Yemoja.
Resgatar ou Deixar perder?
No final, os valores humanos nos levam para uma dicotomia, ou uma rua sem saída. Se em um lado eu tenho o conhecimento que está a beira da extinção e compromete a continuação do culto aos Òrìsà, em que se expande a praticidade e a urbanização instaladas em nossa fé e nos deixa cada vez mais distantes dos Òrìsà, do outro lado eu tenho o caráter inábil das pessoas. Gente que o vento da vaidade, do poder e da ganância faz com que os seus caminhos mudem facilmente. Pessoas que não sabem reconhecer, que não sabem agradecer, que o ego e o orgulho não permitem colocar os seus joelhos ou o peito no chão para o sacerdote(isa) que te ensina o sagrado, que cuida de você e dizer um simples EU TE RESPEITO – Mo júbà. Pessoas que no primeiro desentendimento vão usar o que você ensinou contra você mesmo? Contra seus filhos? Conheci uma sacerdotisa que me disse: Eu não ensinei nada aos meus filhos, nenhum deles tinha um bom caráter.
Preservar o àse a qualquer custo ou colocar em mãos erradas ?
Quando iniciei a escrita desta página, ergui a bandeira de espalhar conhecimento e tirar as pessoas do escuro. Tenho aprendido que os nossos ancestrais, aqueles que de fato sabiam e não apenas fingiam que sabiam, estavam certos, o conhecimento não é para todos, por que são poucos os que merecem. Continuo acreditando que todos precisam da base do conhecimento, não se deve ficar no escuro, mas conhecimento verdadeiro e fundamento, esses são para poucos, pois o conhecimento sem a nobreza de Orí é venturoso à vida.
No próximo texto do MCA (Meu Coração Africano), vamos falar sobre o conhecimento básico de um omo Orisa e o que já passa a ser o departamento dos sacerdotes.
Ressignificar Òrìṣà na vida é ser livre, é voar pelos desafios que SEMPRE existirão, com a certeza de que SE QUISERMOS ser melhores, não estaremos sozinhos.
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Um coração agradecido é sempre maior.
Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você) Ìyá Ṣọlà Ẹgbẹ́kẹ́mi
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