Este é o terceiro texto da série Cartilha da Religião Tradicional Yorùbá e acredito que este seja um dos textos mais difíceis que eu já escrevi. Então resolvi não me agarrar aos 2200 caracteres do Instagram e vou publicar no blog, mesmo sem me alongar. Qual o propósito da Religião Tradicional Yorùbá? Nossa que difícil!
O Esin Orisa Ibile é a religião que escolhi para a minha vida, e que também apresentei a todos aqueles que amo, por acreditar ser a mais coerente em minha razão e no meu coração. Não concordo com muitos pontos relacionados ao machismo, vaidade e patriarcado, mas ainda assim eu a escolhi.
Quero escrever tantas coisas e acabo ficando perdida nas várias experiências e sensações, temperadas com a minha própria história de vida. Sendo assim, quero deixar claro que este propósito aqui escrito possui doses dos meus próprios anseios e vivências, seja pela minha experiência ou a de outras pessoas que caminho ao lado, o ponto é: não há uma literalidade institucionalizada.
A espiritualidade Yorùbá não tem um olhar romântico sobre a vida, não há anjos, mas há Òrìsà. Acreditar em anjos não condiz com a realidade do mundo. Os nossos Òrìsà são seres aguerridos de força e resistência. O conhecimento yorùbá está alinhado à sabedoria ancestral, daqueles que vieram e viveram antes de nós e nos deixaram um legado.
Somos herança antes de tudo, a história da nossa vida inicia muito antes do nosso nascimento, ela começa nas decisões que tivemos em outras vidas e continua aqui nesta existência dentro do processo espiritual chamado de atunwa - a reencarnação, que faz parte do nosso destino.
Somos também a continuidade da história dos nossos ancestrais biológicos, nossos pais, avós, bisavós e assim por diante. Assim como uma árvore que gera frutos, somos fruto dessa árvore ancestral, dando seguimento a história de dezenas de outras pessoas que abriram a estrada para que possamos caminhar sobre ela, e que também faz parte do nosso destino.
Nós vivemos e estamos aqui para cumprir com o nosso propósito individual e também geracional. Todos nós vamos viver desafios e enfrentar adversidades que fazem parte do nosso destino. A vida de fato como ela é e os perigos que podemos enfrentar, as consequências, o ônus e o bônus, como uma herança.
A morte prematura, as doenças, os transtornos psíquicos e emocionais, as perdas, as tragédias, a miséria, a escassez, os grandes problemas, a solidão, os acidentes, a ânsia em encontrar um bom marido ou uma boa esposa, ou de gerar filhos, a falta de um emprego ou de progresso… Todos nós já enfrentou ou enfrenta alguma dessas adversidades. Gosto de afirmar que a Religião Tradicional Yorùbá é uma fé de Sobrevivência e Resistência, capaz de nos tornar hábeis, como guerreiros, para conseguirmos enfrentar todas essas batalhas.
Esta mesma espiritualidade também acredita que o acaso existe. Vou dar um exemplo simples: Quando uma pessoa decide beber e dirigir e você está voltando da sua casa pelo mesmo caminho e esta pessoa comete um erro na direção e o carro dela vai na sua direção. Também acreditamos que Òrìsà pode promover o livramento de situações que não estavam em nosso destino.
Os Òrìsà, esses seres espirituais de tanta força e poder são acessíveis a nós através de seus próprios ícones, chamados aqui no Brasil de assentamentos. Eles se comunicam conosco através de seus próprios oráculos. O Eerindilogun - búzios -, Opele, Ikin, Obì, Orogbo, e é através desses oráculos que recebemos as orientações e as mensagens para conseguirmos nos desviar de situações negativas, ir em busca de nossa sorte e alcançar bênçãos.
Este é um dos motivos que mostra incoerência quando em uma casa de Òrìsà, as decisões são tomadas através de mediunidade ou intuição. Afinal esses dons são falhos, o oráculo devidamente consagrado e o conhecimento das mensagens não. Os homens erram, Òrìsà não.
Diante de tudo aqui escrito eu diria que o propósito da Religião Tradicional Yorùbá é proporcionar àqueles que a seguem, uma vida em companhia ao lado da espiritualidade, não de solidão. Conseguir cumprir com o nosso predestino positivamente, livrar-se dos possíveis infortúnios que não fazem parte da nossa história, sermos vitoriosos em nossas própria batalhas, nos tornarmos pessoas melhores através das orientações filosóficas, sobreviver a esta grande selva da vida e por fim ser alguém que chegou até o fim da vida com honra e que APRENDEU a viver com plenitude, bem estar e tranquilidade.
Próximo texto desta série no Instagram do Meu Coração Africano: CARTILHA DA RELIGIÃO TRADICIONAL YORÙBÁ: RITO E ROTINA.
Sempre com amor.
Ìyá Ifásolà Egbekemi
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