Cada um de nós é um universo perfeito, cheio de mistérios e suas histórias. Nessa nova etapa da minha vida religiosa, tenho aprendido mais sobre o meu próprio mundo particular, seja através do processo de autoconhecimento e vigília ou das quizilas/*eewó que recebemos dos Orixás nos processos iniciáticos, dentro do Culto Tradicional Iorubá. (*Lê- se Êêuó. Sem o “s” mesmo, pois no Iorubá o indicativo de plural não é dado pela adição do “s”, e sim pelo pronome)
Da casa que eu vim, haviam quizilas coletivas, ou seja, para todos os filhos da casa:
-> Caranguejo
-> Gergelim
-> Falar a palavra abacaxi dentro do ilê, sim.. não podia nem pronunciar, muito menos comer
->Nada de assobiar
->Inhame (sem ser o inhame cará, aquele com as listrinhas)
Essas são as que eu lembro agora.
Por que não podia?
Porque eram quizilas do Pai de Santo e ou de Obaluaiê, diziam os mais velhos.
Simples e reto, sem discussão. Tirando o assobio, que eu só tive resposta dentro do Isésé Làgbá, as demais eu nem perguntava. Tem coisas que a gente sabia que não ia ter resposta nunca, sendo assim, nem gastava meu tempo perguntando.
Também haviam os eewó/quizilas dos Orixás, tipo: Quem é de Oxum não pode comer ovo ou peixe de couro. Mas quando eu perguntava se eu também não devia comer, ninguém tinha certeza do que estava falando. Tudo era super confuso e meio nebuloso.
Esse era todo o meu vasto conhecimento e bagagem sobre eewó/quizilas, ou seja, eu não sabia nada. Assim como não tinha ideia do que aconteceria comigo, caso eu descumprisse algum eewó. Só sei que eu tinha um medo lascado de tomar “cacete” de santo, o medo era tão grande, que quando eu ia no Mc Donald’s e pedia um Cheddar McMelt ,eu catava todas as sementinhas de gergelim. Resultado: Totalmente perdida.
Hoje o meu olhar sobre o eewó mudou completamente. Antes de ser iniciada em Orunmilá, nossos sacerdotes nos deram orientações sobre o processo iniciático, e avisaram que receberíamos alguns eewó. Eu já sabia que isso aconteceria através dos estudos, e também tinha total consciência que os meus eewó poderiam ser algo que eu gostasse muito. Então, aderi a estratégia de não pensar a respeito, para não sofrer por antecipação. O meu medo do eewó, não era nada diante da minha vontade de me iniciar em Orunmilá. Eu estava totalmente fascinada pela possibilidade de iniciar uma transformação na minha vida. Mas o simples fato de saber que dessa vez seria diferente e que eu poderia entender, para que raios serviam as quiizilas, os seus propósitos e objetivos, o meu coração se acalmava.
Hoje respiro aliviada por entender a importância e a seriedade das quizilas/eewó, a ponto de ter me tornado confiante em explicar à todos que pensam em um dia se iniciar em Orunmilá e até mesmo aqueles que não conseguem aceitar seus próprios eewó/quizilas.
Vou tentar ser o mais didática possível.
Você vai fazer uma viagem, um mochilão para um país desconhecido. Já durante a viagem, você conhece um senhor muito sábio que sabe para onde você está indo e conhece todos os percalços da estrada. Esse senhor não lhe diz o que você vai encontrar, mas gentilmente, diz todas as ferramentas que você vai precisar durante a caminhada, assim como lhe diz o que você não deve levar, pois poderia ser um sobrepeso e atrapalhar a sua viagem.
Quantos de nós, no mundo, temos essa oportunidade? Alguém com tamanha sabedoria, capaz de nos orientar sobre a nossa própria estrada da vida? Você sabe que esse senhor, realmente sabe o que está lhe dizendo, e você vai ser teimoso ao ponto de não seguir os seus conselhos?
Orunmilá conhece o nosso predestino e tem infinita sabedoria. Os Orixás possuem essa capacidade de nos proteger, e todos esse conselhos são revelados através do Odu da iniciação. Como chamamos esses conselhos tão vitais para nós? Quizilas, eewó ou interdição.
Quando inicia-se em Orunmilá, através do ritual chamado de Itefá, Ifá revela o odu do nosso predestino. É preciso lembrar que TODO odu tem o aspecto positivo e negativo, ou seja, se manifestarmos o negativo desse odu, não seremos vencedores. É aí que entra a sabedoria do Bàbálawo, através da interpretação do itan do caminho revelado, ele indica o que não deve ser feito, e muitas vezes o que se deve fazer, justamente para que a pessoa consiga ter sucesso em sua missão pessoal.
Cumprir ou não os eewó, é um compromisso, uma responsabilidade individual e uma escolha que o devoto tem com a sua própria vida, e quem nos cobra essa obediência, não é o Orixá em que nos iniciamos, é o nosso Ori.
Existem eewó de alimentos, cores e os de comportamento. Alguns conselhos/eewó também podem não vir na forma de proibição e sim de concessão de uma nova atitude, como por exemplo: Você precisa ser generosa(o).
Vou dar apenas alguns exemplos, para ficar ainda mais claro:
Existe eewó que a pessoa não pode matar mosca, que a pessoa não pode chutar cupinzeiro, não pode usar roupa vermelha ou preta, não pode bater palma, não pode dançar, não pode chorar, não pode pegar em agulha, não pode mandar ninguém embora da sua própria vida, não pode ter cachorro ou gato, não pode mentir, não pode gargalhar, não pode competir, não pode entrar em briga, não pode ter sócio, … e centenas de outras.
Não cumprir o próprio eewó ofende Ori.
A verdade é que desconhecemos as consequências de descumprir um eewó, a única certeza que temos é que ao praticar essa atitude, estamos sendo nossos próprios inimigos, e nos desviando da nossa missão. A morte prematura também nos desvia do sucesso. Por tanto há eewó sim que em casos de desobediência, pode nos levar a morte.
Compreender a profundidade e a importância de um eewó, faz parte das experiências de vida que não se pode descrever. De fato eu só os compreendi com profundidade depois que os recebi do Bábàlawo. Para mim foi um momento mágico, pois tudo o que foi vetado, principalmente as quizilas de comportamento, era justamente atos que me faziam mal, e ninguém além de mim sabia. Senti naquele momento como se Deus tivesse, reservado aquele momento para mim, e mandado um recado através do Bàbálawo que dizia:
- Filha, estou te vendo, estou te olhando. Volte à caminhar para a direção certa.
Tem quem reclame dos seus eewó, eu não consigo compreender. Como eu posso reclamar daquilo que é para o meu bem? O único pensamento que me vem à mente, é a falta de crença no Bàbálawo ou em Orunmilá. E se for isso, por que se iniciou? É aqui que cabe mais uma vez aquela frase: “Orunmilá é para todos, mas nem todos são para Orunmilá”.
É por isso que quando alguém fala, que não está disposto a cumprir os eewó, dependendo da complexidade, eu aconselho a não se iniciar e a guardar seu dinheiro. Esse processo deve ser feitos por aqueles que tem fé em Orixá, e pessoas que não querem fazer parte da estatística dos que tiveram uma vida em vão.
Cada um vê eewó como quer. Cada um dá o peso que quiser. Eu optei por ver como as asas que Orunmilá me deu, para ir mais longe e com segurança. A mim só resta ser leve e agradecer.
Ire O
Ifásolá
Imagem: Getty Images