A imagem que encontrei na internet diz:
Nós não somos africanos porque nascemos na África, mas porque a África nasceu em nós.
Brasileiros, cubanos, porto riquenhos, mexicanos, americanos, espanhóis e tantos outros estrangeiros buscam fundamentar e legitimar os seus conhecimentos adquiridos a respeito dos Orixás. O culto aos Orixás em terras Iorubás, juntamente com a cultura local matizam-se de uma forma que faz com que nós àlejò (estrangeiros), nos percamos facilmente e não percebamos o quão comum é um muçulmano que é iniciado em Orunmilá ou no Orixá da família, pois os Orixás não são uma religião para muitos, Orixá é uma tradição intrínseca e inexorável de um povo que está costurada ponto a ponto, linha a linha na sua maneira de pensar e agir.
Quando guardamos um pouco a palavra religião na gaveta e falamos de cultura e tradição, passamos a perceber que elas podem ter variantes em poucos quilômetros de distância. Não precisamos ir longe para compreender, por exemplo: Rio de Janeiro e São Paulo, cidades vizinhas, brasileiras, porém extremamente diferentes em seus hábitos e costumes. O Brasil como um todo, possui dentro de si variações e versões de um mesmo povo.
Senhores e senhoras, devotos e devotas de Orixá, o que quero dizer é que precisamos compreender que não é possível engessar o conhecimento sem possíveis variáveis e não é possível decretar verdades absolutas. Como sempre insisto que todos nós façamos a substituição dos termos: NÃO EXISTE ou É MENTIRA, por simplesmente: DESCONHEÇO. Não é vergonha para ninguém desconhecer algo numa cultura com tantas variáveis, mas é sim desrespeitoso, declarar-se o dono da verdade, pois ela não existe.
Como dizem os iorubás:
“ O que é costume de uma cidade, pode ser tabu em outra”.
Neste intuito de trazer um pouco sobre essa diversidade do Esin Orisa Ibile, convidei para uma pequena entrevista, Nathan Lugo, que é estrangeiro como nós, que não nasceu na África, mas que a África nasceu nele, que já foi em terras iorubá diversas vezes e em cidades diferentes. Um sacerdote por quem nutro extrema admiração e que é capaz de mostrar com seriedade e conhecimento que no Culto aos Orixás não há espaço para ditadores de regra.
INÍCIO DA ENTREVISTA
MCA
Bàbá, pode por favor se identificar dentro do Esin Orisa Ibile?
Bàbá Nathan Lugo
Meu nome é Nathan Lugo, também conhecido como Oloye Aikulola Iwindara Fawehinmi. Sou oloye (Gbawoniyi) dentro de culto de Orunmila no templo principal de Osogbo - Idinleke, também sou oloye dentro do sacerdócio de Obatala (Oluwin-Oosa) de Oyo Alaafin.
Bàbá Nathan Lugo em Abeokuta com a Ìyálórìsà Mojisola Abebi Akibo (Ìyálóde), e outras devotas de Omolu.
MCA
Quais locais o sr. conheceu em terras iorubás?
Bàbá Nathan Lugo
Nos 20 anos que estou viajando para a Nigéria anualmente, e passando semanas e meses lá, conheço várias cidades e povoados nos Estados de Osun, Oyo, Ogun, Ekiti, Kwara e Lagos. Algumas cidades que posso mencionar rapidamente são Osogbo, Ede, Ilobuu, Okinni, Ile-Ife, Ilesa, Erin-Osun, Ikogusi, Erin-Ijesa, Oyo, Aawe, Iseyin, Abeokuta, Sagamu, Iperu-Remo, Igbo nla, Ibadan, e vários outros locais.
MCA
Bàbá, como você interpreta a variação de culto a um mesmo Orixá dentro de Yorubaland? Existem variantes?
Bàbá Nathan Lugo
Existem variantes sim. O que alguns dos meus mestres, tanto homens como mulheres, me ensinaram é que as divindades passaram tempo na terra em várias ocasiões e tiveram diferentes experiências. Estas formas diferentes foi o que os Orisa ensinaram aos seus fiéis e filhos. Os filhos dos Orisa, com algumas encarnações, também viajavam e ensinaram aos outros. O conhecimento e a diversidade no mesmo é o resultado do legado que deixaram, tantos os Orisa, como seus sacerdotes e filhos.
Bàbá Nathan Lugo em ritual em Osogbo com uma das mais importantes sacerdotisas de Osun, Iya Adedoyn Talabi Faniyi Olosun
MCA
Orunmilá para os Yorubás é mais importante do que os outros Orixás? Existe essa supremacia ou isso é uma história criada no Brasil? Pode falar um pouco à respeito?
Bàbá Nathan Lugo
Orunmila não é o mais importante entre os demais Orisa. Porém, sim tem um papel importante na cultura geral em termos do sistema oracular e uma das literaturas orais do povo Yoruba chamado Ifá.
MCA
Em terras Iorubás um povo local acredita saber mais acerca de um determinado Orixá ou há respeito entre eles?
Bàbá Nathan Lugo
Existe respeito mútuo entre povos locais. Olorisa e omorisa que são bem treinados, reconhecem as diversas formas de prática entre outros povos de terra Yoruba, conhecem até quais são as características de culto para um orisa de outros locais. Mas, como o ser humano sempre é ser humano, há às vezes pequenas rivalidades. E sim existe a ideia que “nós sabemos mais/nós praticamos melhor”, etc. Mas o respeito e reconhecimento sempre predomina.
MCA
O local de origem de um Orixá, como Sango em Oyó ou Obatalá em Ilè Ife por exemplo, chancela entre os povos que apenas aquele rito local é genuíno?
Bàbá Nathan Lugo
Para nada! Simplesmente cada família pratica de acordo com os costumes de sua linhagem. As várias comunidades se visitam e participam nos festivais de cada um.
Bàbá Nathan Lugo em Oyo na presença do Alaafin
MCA
O senhor pode nos contar algum episódio em sua vivência em que houve uma maior discrepância de culto de um local para o outro?
Bàbá Nathan Lugo
Sim. Em Ile-Ife é onde se pode experimentar maior diferença no culto comparado com outras áreas de terra Yoruba. Por exemplo, na maioria das áreas de terras Yoruba, se faz iniciação de Obatalá tipo idosu, e o iniciado recebe seu assentamento sagrado para Obatalá. Em Ile-Ife, se raspa a cabeça porém não há idosu e a pessoa normalmente não leva um assentamento. O indivíduo é iniciado no templo como se estivesse entrando em uma maçonaria. Então o templo de Obatala funciona como uma igreja. Se o iniciado quer cultuar Obatalá tem que ir pra o templo de Obatalá. Tem excepções. Mas é desta forma que funciona em Ile-Ife.
MCA
Os ritos litúrgicos, assim como os itans, também variam de um local para o outro?
Bàbá Nathan Lugo
Sim, também variam, e ao mesmo tempo é possível perceber os aspectos em que as diversas formas de culto se entrelaçam em algum momento.
MCA
Há Orixás que são cultuados em uma localidade e não são cultuados em outros? Se sim pode dar exemplos?
Bàbá Nathan Lugo
Com certeza. Tem os exemplos de Ara, Ayelala, Agemo, Olosunta, Osumare, e muitos outros orisa menos conhecidos. Também podemos incluir de alguma forma divindades como Logunede e Osoosi, que se tornaram mais populares na diáspora. Este fenômeno é parecido com a experiência de praticantes do Hinduísmo na Índia, em que há algumas divindades do Hinduísmo que são cultos locais na Índia mas que se popularizaram na diáspora indiana como nos países Trindá e Tobago, Guyana, etc.
MCA
O tempo de iniciação também pode variar de um local para o outro?
Bàbá Nathan Lugo
Pode variar. Mas não é simplesmente uma questão de um local para outro. Porque antigamente as iniciações em quase todas as áreas para muitos orisa era de 17 dias. Porém, hoje em dia, e segundo as condições de cada indivíduo em termos de tempo e recursos, se fazem todos os rituais em menos tempo, eliminando os dias que não se faz ritual nenhum e o iyawo só fica sentado sem fazer nada.
MCA
Qual o conselho o senhor daria para todos os que já são adeptos ao Esin Orisa Ibile há um tempo e aos que estão começando?
Bàbá Nathan Lugo
Foco, foco e mais foco! Esin Orisa Ibile é uma tradição muito ampla. Para poder aprender bem deve-se parar de praticar as tradições que não tem a ver com Esin Orisa Ibile, não as misturando. Minha forte opinião vem da experiência. Também deve-se tentar aprender a falar pelo menos um pouco a língua iorubá, pois isso ajuda na comunicação e na memorização das literaturas orais sagradas.
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Com base na breve entrevista acima, podemos perceber com apoio na experiência e vivência do Bàbá Nathan Lugo, que há muitas variáveis no culto aos orixás em terra iorubá, o que nos descredencia imediatamente a dizer que há uma verdade absoluta. No entanto não podemos confundir verdades absolutas com descaracterização do culto, pois há também a necessidade de manter a tradição do Esin Orisa Ibile, para que ela não se perca juntamente com toda a sua riqueza e magia.
Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você)
IfáṢọlà Ṣówùnmí - Fernângeli Aguiar
Contatos do Entrevistado
Bàbá Nathan Lugo hoje mora em Hollywood na Flórida
Site: http://olorisa.com/
Facebook: https://www.facebook.com/oluwin
Fone: +1 786-529-1611
E-mail: iwindara@yahoo.com