Se este é o primeiro texto do Meu Coração Africano que você lê, se entregue a leitura, não pule partes. Todos os elementos são necessários para a construção da total compreensão e uma saborosa epifania ao final da leitura. Mesmo que em algum momento você não entenda o que eu quis dizer com aquilo... continue lendo. Quando relatei em um dos meus textos que eu já quis ser freira, não era brincadeira. Eu quis sim! Pois acreditava que aquelas mulheres eram mais próximas de Deus, e viver isso diariamente sem se preocupar com dinheiro devia ser maravilhoso. E quando você lê aqui a palavra DEUS, você pode substituir por ESPIRITUALIDADE.
Mas eu não tinha nenhuma vocação. Ainda bem! Pais separados: Meu pai do Candomblé e a minha família materna toda muito católica, e é assim até hoje. Minha avó insistia em me levar para as missas, até que um dia comecei a fazer perguntas que ela sabia que as respostas tinham começado a não serem suficientes.
A alma inquieta, insatisfeita que não permite a inércia um dia perguntou para a sua avó: _ Vó, por que as freiras não rezam missas?
_ Porque elas não podem, meu amor.
_ Por que elas não podem?
_ Porque Cristo não chamou nenhuma mulher para última Ceia. Talvez este tenha sido o primeiro diálogo em minha vida que percebi que havia diferenças sociais de poder entre homens e mulheres. Nem vou dizer quantos anos eu tinha, mas eram poucos. Algum tempo depois eu pergunto para a minha avó porque tantas pessoas falavam que a mulher devia servir ao homem, e ela me diz: _ Porque está na bíblia, meu amor! _ Quem escreveu a bíblia foi Deus, Vó?
Ela se calou. Eu insisto
_ Quem escreveu foram os Apóstolos de Cristo. _ Mas vó, porque não chamaram uma mulher para escrever também?
Naquela época ficava claro para mim que se apenas homens tinham escrito a bíblia, ali estariam apenas regras e leis apenas do interesse deles.
Nascida no início da década de 30, formada em pedagogia, possivelmente a primeira mulher na família a ter ensino superior. Nos anos 70 já era diretora de uma escola. Nunca vi minha avó servir meu avô, mas vi um cuidando do outro de inúmeras maneiras como grandes companheiros. Meu exemplo. No Candomblé, religião que segui grande parte da minha vida, não havia nenhuma diferença entre sacerdotes homens e mulheres. O Candomblé é uma religião marcada pelo matriarcado, e quando lê-se matriarcado, estamos falando de mulheres como a Ìyálòrìsà Aninha, fundadora do Opo Afonjá, Iyá Nassô, Mãe Senhora, Mãe Simplícia de Ògún, Mãe Stella de Osoosi, Mãe Menininha, Mãe Pulchéria da Conceição, Mãe Ondina entre tantas e tantas outras. Mesmo que houvessem mulheres no poder, homens também abriram suas casas e tiveram seus reinados em suas casas, tendo por todos o respeito e a devida importância. Foi daí que eu vim e não continuei por outras questões que pesam muito. A maioria dessas mulheres tiveram sua avós pretas e escravas, que batalharam e trabalharam para conseguir comprar sua liberdade, pois eram descendentes de Yorubas que vieram para o Brasil como escravos do século XVIII até 1815 (pré-colônia nigeriana). Muitos anos depois eu conheço Ifá, me encanto e me encontro na Filosofia de Vida. Eu e a minha vida fizemos as pazes. Matei alguns monstros internos e recebi armas para matar outros. A iniciação em Ifá salvou a minha vida, e tenho certeza de que se não fosse por Ifá eu não estaria aqui agora escrevendo. Ifá abriu meus olhos para o saber e para a felicidade do viver. Meu Ori fez um "up grade" no modo de ver a vida que nenhum dinheiro paga. Ifá me faz feliz. Eu vi de perto Ifá salvar muitas vidas, das maneiras mais inusitadas e preciosas que dariam para escrever um livro.
Entendam e prestem atenção no que vou dizer: EU AMO IFÁ e jamais irei abandoná-lo. Mas assim como dizemos por aí em piadas da internet, Jesus é um cara maneiro, o problema é só o fã clube.
Quando eu estive na Nigéria há menos de 20 dias atrás, eu vi e vivi muita coisa, vivi anos em dias. A mulher que esteve do outro lado do Atlântico, tem quase 40 anos, morou em 5 estados, sempre foi uma observadora e questionadora nata, amante de história, leitora de algumas centenas de livros e com uma história de vida bem interessante. Estou dizendo isso, pois nada escaparia do meu olhar, nada.
Eu já sabia todas as resposta, mas mesmo assim eu quis provocar aquele diálogo: _ Bàbá, por que as Iyanifa não realizam o ritual do Itefá, a iniciação?
_ Porque elas não podem, minha querida Iyanifa.
_ Por que elas não podem?
_ Porque elas não podem ver Ìyá Odu.
_ Por que elas não podem ver Ìyá Odu?
_ Por que está escrito nos versos de Ifá.
_ Quem escreveu os versos de Ifá foram os homens? Ele me olhou assustado e meio bravo e eu fiz uma brincadeira imediatamente para descontrair.
Quem já fez meu curso sobre Obi, entenderá perfeitamente o que vou dizer: O mundo e a vida são a própria essência de Eledumare. Em Eledumare e toda a sua criação, é possível encontrar o segredo da vida, onde tudo está em perfeito equilíbrio, esse perfeito equilíbrio é facilmente encontrado, isso inclui o homem e a mulher. Nossos ancestrais sabiam disso, mas parece que tudo isso se perdeu em algum momento. O momento exato em que parte dessa sabedoria ancestral passou a ser perdida foi na invasão Britânica no início do século XIX, em sua colonização. Os ingleses levaram para a Nigéria o cristianismo. Na pré-colonização, também no início do século XIX, Shaikh Usman Ibn Fodio, um promotor religioso Islâmico, com suas tropas submete o norte da Nigéria ao seu controle. Vamos agora ligar os pontos:
Quem é a mulher na história e no mito original cristão? Maria. A mulher que pariu Jesus sem ter praticado nenhum ato sexual. A santíssima, mas que nem na santíssima trindade está. No protestantismo inclusive imagens dela são quebradas por alguns fanáticos. Já no ISLAMISMO, possivelmente você não sabia que: No passado muçulmanos chegaram a debater entre si, se de fato a mulher possuía ou não uma alma e como deviam ser vistas. A mulher era culpada por todas as desgraças que assolavam o mundo. (Para os estudantes de plantão, peço para que se lembrem do que aprendemos em Osá Meji e Irete Meji, sobre a origem de todo o mal na terra) Só para fechar essa parte com chave de ouro e não me prolongar demais aqui, há menos de dois anos, as mulheres tinham menos direito que os animais no mundo islâmico. Péra!!!! Os Yorubas que vieram para o Brasil, no período pré-colonial de Yorubaland, não deixaram rastros de uma predileção sacerdotal pela figura masculina ou feminina, mas agora encontramos, isso em alguns cultos? Mas após a colonização e a invasão cultural e religiosa, temos um relatório da Pew Research Center, empresa americana, de 2012 afirma que: A Nigéria possui uma população estimada de 174 milhões de habitantes, sendo que: 49,3% da população Nigeriana é Cristã 48,8% da população é Muçulmana 1,9% da população pratica religiões nativas e outras. Temos portanto aproximadamente hoje, por volta de 3,3 milhões de nigerianos, num universo de 174 milhões que praticam de fato cultos ancestrais. Fonte: http://www.globalreligiousfutures.org/countries/nigeria#/?affiliations_religion_id=0&affiliations_year=2010®ion_name=All%20Countries&restrictions_year=2016
Entenda e pense: Nós somos influenciados desde que nascemos por uma cultura apenas cristã e não islâmica. A sociologia, o estudo da sociedade nos ensina que a cultura do local onde o homem nasce, e a vale lembrar que religião faz parte da cultura , define diretamente os princípios, as verdades e valores dos homens.
Com base em tudo que você leu até aqui, eu quero que responda a seguinte questão: Quem define a importância da mulher nas religiões patriarcais, incluindo dentro do Culto de Ifá? ( ) Deus/ Eledumare/ Orisa/ A espiritualidade ( ) Thanos
( ) O interesse dos Homens e a sua relação com o poder
Fica aqui no ar inclusive algumas questões para se pensar sobre o culto de Iyami Eleye. Será de fato que todas devem se esconder por uma questão de necessidade do segredo ou de perseguição? Próximo texto do MCA, que inclusive já está pronto.
Eu sei que não vou mudar o mundo com esse texto. Tenho certeza disso. Mas eu quero apenas que pensem se de fato se tudo que é dito sobre a importância da mulher no Ifá, não pode ser questionado. Eu não nasci para ser ovelha, e muitas outras mulheres e homens também não. Ainda há quem pergunte: Mulher pode mesmo se iniciar em Ifá? Sim, pode. Mulher pode fazer Ipanodu/Ipinodu? Em algumas famílias sim e em outras não. Mulher pode realizar Itefá? Tirando FAMA, que diz que sim, com a ressalva da mulher não ver Iya Odu, não conheço quem diga que sim. Mulher pode jogar Opele? Em algumas famílias sim, mas só em dizer que quer aprender já sofre uma represália e ainda vai ter aqueles que se dizem feministas, afirmando que quase toda Iyanifa tem mão fria para medicina. Já iniciando uma crença de que mulheres não possuem uma espécie de autorização espiritual para fazer. Mulher pode jogar Ikin Ifá? É mais difícil ainda de encontrar. A sociedade, a confraria dos homens de Ifá, de fato não tratam essa questão com naturalidade e há sim preconceito interno quanto a essa questão. Eu estive em algumas festividades, enquanto eu estava lá, eu vi de perto os sacerdotes homens e mulheres se apoiando dentro dos cultos de Orisa, mas dentro de Ifá, a mulher não tem espaço que não seja de devota. Aí você me pergunta: Mas, Ifásola você acha então que não é bom uma mulher se iniciar em Ifá? Se puder e estiver preparado: FAÇA. Será uma das melhores decisões da sua vida. É maravilhoso uma mulher se iniciar em Ifá para a sua própria vida, para o seu renascimento, para um nova chance de vida. Ifá é maravilhoso!!!
Quer seguir como uma Iyanifá de ofício? Você terá um grande problema com o fã clube de Ifá, um grupinho meio fechado, sabe? O MEU Babalawo me chama de Iyanifá, ele me deu esse direito, de assim me nomear, mas eu continuarei sendo apenas devota de Ifá, e ainda assim, sendo Iyanifá. Não tem como a gente brigar com o mundo o tempo inteiro, né? Mas é bom ligar a luz e deixar as coisas bem claras para que todos compreendam a realidade que fica escondida atrás de discursos lindos e persuasivos. Que Osun me proteja :) Como eu disse: Ore Yeye oooo Ore Yeye Osun A senhora que não se curva diante do poder dos homens. Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você) Iyalorisa Ifasola Egbekemi Sowunmi Se você acredita que este texto pode fazer a diferença na vida das pessoas do seu meio: compartilhe! Se você acredita que ele pode fazer a diferença para alguém em específico: encaminhe para essa pessoa. IMAGEM: Roddolfo Carvalho - BEHANCE