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Ifasola - Fê Aguiar

Faces de Abikú



Ainda não soube de ninguém que nasceu para ser eterno. Todos nós nascemos com apenas uma certeza: Um dia vamos morrer. Por mais clichê que isso pareça, quase ninguém pensa nisso. O que quero dizer é que EU acredito que todos nós temos uma parcela abikú ( a bi = Nascer + Iku = Morrer : Nascidos para morrer).

Caso você não tenha lido sobre Egbé ou Abiku aqui no Meu Coração Africano, leia antes esses dois textos, para que você tenha uma maior compreensão da continuação deste texto. Mas leia mesmo, é importante.

Dentro do Culto Tradicional Iorubá, temos uma missão individual: Encarar o nosso abikú de frente. Estudá-lo, observá-lo e até mesmo entendê-lo, para que possamos ter uma vida mais próspera. Isso faz com que tenhamos um maior conhecimento sobre nós mesmos.

Ontem eu estava dirigindo em pista livre, uma pista de 3 vias. Era fim de tarde, uma sensação boa de liberdade. Vento fresco no rosto, sol se pondo com aqueles raios pálidos que já não machucam os nossos olhos e nos permitem olhar direto para o sol. Eu brinquei com os meus dedos e os raios de sol que vinham em minha direção. De repente, ele chegou. E sem medir as palavras, ele disse lá do fundo da minha cabeça: Você sabe né, que vai dar tudo errado de novo ? Você vai se empolgar, dar o seu máximo e no meio do caminho tudo vai desmoronar. E quando isso acontecer você vai ter menos tempo de vida para tentar novamente. Não importe, quantas vezes isso aconteça : Você não vai conseguir.

Meus olhos encheram d'água, a paisagem ficou cinza e um tanto artificial e de repente tudo que há segundos parecia ser tão harmonioso, passou a não ter nenhum valor. Fui contagiada por aquele pensamento, e o mundo perdeu o sentido. Tudo isso em poucos minutos. Num piscar de olhos meus pensamentos que eram otimistas mudaram de direção, eu quis desistir. O medo tomou conta de mim, aflição fez meu peito apertar e minha respiração ficar rasa .

Opa! O que é isso???

Não posso me dar por vencida sem ao menos tentar.

Foi aí que eu fiz a louka no trânsito e gritei com toda a força que eu tinha em meus pulmões: Caaaaalaaaaaa a bocaaaaaaaa!!!!!!!!

E segui saudando:

Egbé OOOOOO! Muso! Ori OOOOOO!

Eu não estava só nessa luta. Eu tenho meu Ori e tenho Egbé!

Eu tinha acabado de sair de uma situação, que tinha me dado uma perspectiva diferente e positiva. Eu estava feliz! De alguma forma parecia que os Orixás diziam SIM para aquele dia, e ele, meu abikú, veio como uma tempestade que se forma rapidamente estragando toda a paisagem, deixando a vista melancólica, digna de um lugar em que não há vida.

Após perceber aquele momento, e combatê-lo, os pensamentos negativos foram embora. Pena que os anteriores não retornaram no mesmo momento.

Ainda ontem, conversando com um amigo querido, ele me disse que tinha identificado uma das formas como o abiku dele agia. Veja só, você acredita que ele estava sempre em busca do embate? Em todos os ambientes que ele chegava, ele pegava uma pessoa para vítima. Ele implicava, irritava... até a pessoa ir embora. Ele fazia isso há tantos anos, que nunca tinha percebido. Aí você me pergunta: O que tem a ver? Tudo. A questão é que essa atitude, fazia com que ele se tornasse uma pessoa antipática aos olhos dos outros. E os outros acabavam não lhe rendendo uma verdadeira amizade, o que o levava ao isolamento. O abiku faz isso, ele nos leva ao isolamento e nos priva de viver em egbé, em sociedade.

Na semana passada, uma outra amiga, que amo muito. Me disse que não conseguia se apegar a este mundo. Que ela achava tudo tão sem sentido, que se sentia pela metade, como se ela tivesse deixado sua outra parte perdida em algum lugar. Disse também que isso doía fisicamente. Ela não fincava raízes neste mundo e sentia-se obrigada a viver, mas o vazio fazia parte da rotina dela.

Abikú e suas várias faces.

Já que todos vamos morrer um dia, compreendi que todos nós temos uma parcela abikú. Acredito e venho aprendendo, que alguns podem ter uma maior parcela dessa energia do que outros ativa, e acredito também que os abikús mais terríveis, são aqueles que atacam a saúde. Isso é o que observo e acredito, até o dia de hoje.

Se eu tenho raiva do meu abikú?

Claro que não!!!

Ele é parte de mim.

Ele é a certeza de que tudo isso aqui, não passa de uma grande missão. De que existe um lugar em que eu me sinto em casa. Preciso apenas acalmá-lo, apaziguá-lo para que ele não atrapalhe a minha vida, mesmo que seja com um sonoro "cala a boca!".

Hoje vejo o culto de Egbé, como essencial a todas as pessoas, assim como o culto à Ori. Fico maravilhada como uma filosofia que tem milhares e milhares de anos, pode estar sempre tão atual. Uma filosofia, acredito que a única, que reconhece o nosso Deus interior e o fortifica através de rituais. Uma filosofia que reconhece que cada um de nós como um grande universo, e sabe, que precisamos individualmente de cuidados especiais. Uma filosofia que te mostra e te dá ferramentas para vencer os seus inimigos internos e externos.

A cada dia me sinto mais forte e capaz de prosperar. Me reconheço como um ser cheio de falhas, com um Ori que as vezes não coopera e um abikú ativo. Em compensação, trabalho meu próprio Ori diariamente para que ele seja meu amigo e que desperte para todas as oportunidades que a vida me oferece. Tenho a minha família, assim como tenho vários Orixás, Energias Ancestrais, orientadores e o próprio egbé ao qual pertenço, que me apoiam e sabem que sou capaz de vencer.

Ire O

Ifasola

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