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Vossa Majestade o Rei Sàngó - Parte II



Você já percebeu que a maioria das religiões e filosofias religiosas cultuam ancestrais* assim como na África?

Todas as pessoas que já nasceram e deixaram descendentes, genéticos e ou espirituais/ideológicos, e morreram são ancestrais, certo? Jesus Cristo, Sidarta Gautana (Buda), Maomé, Zoroastro, São Francisco, Santa Rita de Cássia, Madre Teresa de Calcutá e por aí vai. Por isso ainda não entendo a reação das pessoas quando digo, que sim, que cultuamos a nossa ancestralidade. Será preconceito com a economia da África, ou racismo mesmo? Não sei, e pensando bem, prefiro nem saber.

Eu cultuo um Rei. Um Rei que nos ensinou muito com a sua vida, mas também nos ensinou através da sua morte. Não vou transpor na história de Xangô, como tantos outros autores que escrevem com muito mais propriedade do que eu, e contar que ele foi filho de Oranyan que destituiu o seu irmão e por aí vai, mas vou precisar fazer um breve resumo, para que eu possa expressar a minha linha de raciocínio. Sem preguiça de ler, está bem? Vamos com fé. Vamos caminhar pela história. Respire fundo pois quero falar sobre o que a vida/morte de Xangô pode nos ensinar.


Há várias versões sobre as história de Xangô, mas é unânime de que ele foi um Rei combativo, poderoso, com domínio de magia, bravo, altivo, irado , autoritário e muita vezes irascível, este último o fez perder o respeito de seu povo. Xangô foi idolatrado por alguns e odiado por outros. Nesta grande divisão de opiniões, e em algumas das versões de sua história, é dito que ele se enforcou logo após matar algumas de suas mulheres e filhos num ato impensado de prática de magia. Enforcou-se numa árvore chamada de áyán, que ficava à beira da estrada, esse lugar passou inclusive a se chamar Kòso. A notícia da morte do rei se espalhou e todos aqueles que não gostavam do Rei, gritaram aos sete ventos: “Oba so! Oba so!”- O rei se enforcou! O rei se enforcou! - No entanto seus admiradores e amigos, que eram minoria, se irritaram e recorreram a magia. Começaram a provocar fogo na casa de todos os que falavam mal do Rei morto, e várias casas foram incendiadas. Todos acreditaram que na verdade era o próprio Rei Xangô que tinha voltado do reino dos mortos para vingar-se, e rapidamente começaram a gritar: “Oba Kòso! Oba Kòso!” - O rei não se enforcou .( KO - em iorubá, é uma expressão de negação )

Há também versões em que seus súditos afirmam que ele não se enforcou, e sim ascendeu aos céus, tornando-se todos os trovões e as calamidades que dos céus desciam. Era a sua vingança contra aqueles que afirmavam que ele havia se enforcado. Há inclusive mais uma versão que afirma que ele se irritou com duas de suas esposas que viviam brigando, foi para a floresta e nunca voltou – Essa eu acho engraçada!

Sendo assim, quando saudamos Xangô com “Oba Kòso!”, estamos dignificando a imagem do Rei, dizendo que ele está de volta, que ele está vivo, que ele não se enforcou. Estamos dizendo que Xangô teve sua vida como homem e agora tem a sua existência como Orixá.

Se formos analisar friamente as razões mitológicas, ou não, que fizeram Xangô dar fim a sua própria vida, esse ato foi levado por um sentimento criado pelo reflexo de suas ações impensadas. Suas atitudes iradas e impulsivas o fizeram perder o respeito do seu povo, assim como a vida de algumas das suas mulheres e filhos. Ele sucumbiu à sua irracionalidade. Para aqueles que são iniciados em Ifá, sabe-se que a ira, pode ser um ewó para um iniciado.

Na Filosofia Iorubá, Xangô transmite, apoia e ensina aos seus iniciados e devotos que a nossa maior dádiva é pensar. Ele é o Orixá que diz aos seus filhos que a falta do autocontrole pode levar o homem ao desequilíbrio e a perder tudo o que conquistou. Xangô é um deus que também fala sobre a importância da paciência, assim como Exú.

Sabe aquela frase do poeta Ferreira Gullar: “É melhor ter razão ou ser feliz?” Xangô responde direto do Orun para nós, através de sua história: Seja feliz! E quando digo feliz, me refiro a ter paciência e tolerância com as pessoas. Essa necessidade que temos de ter razão tem origem na sociedade individualista, e quando nos aprofundamos no conceito de individualismo, vemos apenas pessoas egoístas com uma estrutura individual e emocional infantil. Portanto, sejamos filhos e adoradores de Xangô, que dão orgulho ao nosso egbé, vamos praticar a sensatez e o equilíbrio.

O rei nos ensina sabiamente a diferença entre o individualismo e a individuação. No processo de individuação, eu fortaleço o meu amor próprio, me reconheço como um indivíduo de valor. Descubro quem eu sou, do que eu gosto e reconheço minhas virtudes. Esse processo trás um reflexo para a minha personalidade de sabedoria, humildade e generosidade, e, através desse processo descubro que sou parte de um todo muito maior. Quando agimos de maneira irracional e individualista, buscamos impor a nossa verdade e a nossa opinião goela abaixo das pessoas, e ainda por cima nos melindramos quando não conseguimos.

Tenho aprendido com os meus sacerdotes que aqueles que nascem com um determinado orixá em suas essência, que chamamos no Brasil de filhos, devem honrar o nome do seu Orixá. Para isso necessitamos nos auto avaliar, ao ponto de identificarmos se há características que vão de contra, com o que este Deus Iorubá (o da nossa essência) nos ensina. Vou dar um exemplo: Devotos/Filhos de Oxum não devem ser teimosas(os). Adoradores/Filhos de Xangô não devem ser prepotentes. Filhos de Ogum não devem ser coléricos. Não podemos usar esteriótipos dos nossos orixás para acobertar ou encobrir um defeito NOSSO. É justamente o contrário, viemos para nos melhorar como pessoas. Não cabe mais essa de eu sou isso ou aquilo, por que o meu orixá é assim, e ainda falar com orgulho. Orixá nos ensina a sermos melhores e não a repetirmos erros.

Xangô diz aos nossos Oris com toda a sua realeza e história: Reconheça o seu valor, seja altivo, mas jamais perca a nobreza de suas atitudes. Seja coerente, seja tolerante, seja forte, seja generoso, seja justo dentro da situação que você tem ciência, e sempre, sempre lute até o fim e não desista de você mesmo.

Ire O

Ifasola

Revisão: Bàbáloòrisá Fernando Ifaseun , Sacerdote do Egbé Àiyé Templo dos Deuses Africanos - Filiado ao Oduduwa Templo dos Orixás em Brasília - DF

Imagens:

Shooting da Coleção de Inverno Farm 2015 - por Raphael Lucena Rainer Doost :. Flickr - https://www.flickr.com/photos/rainerdoost/albums

Bibliografia:

ABIMBOLA, W. - Ijinlé Ohún - Enu Ifá- Apá Kejí - Nigéria, Oxford University Press - 1969

JOHNSON, S. - The History of the Yotuba from the Easliest Times to Beginning of the British

SÀLÁMÌ , S. - A Mitologia dos Orixás Africanos - Sàngó / Oya / Osún / Obà - Vol I - 1990 DICIONÁRIO YORUBA PORTUGUÊS - José Beniste - 2011

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