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Ògún e a Imolação


Sim, este é um texto polêmico em nossa sociedade, que adora feijoada, churrasco e hambúrguer, mas acha desumano o sacrifício de animais em rituais religiosos. Só que eu realmente preciso falar sobre isso.

Apenas reforçando que as experiências aqui descritas, assim como a visão filosófica que exponho, são fruto do meu estudo, vivência e aprendizado e não são uma verdade absoluta.

Então vamos.

Eledumare, com toda sua sabedoria de fonte inesgotável, criou os quatro Orixás primordiais, com ajuda desses quatro Orixás, àiyé estaria preparada para receber os seres humanos. Ele criou Obatalá e foi ele quem nos moldou, homens e mulheres, cada um com a sua individualidade. E com sua infinita criatividade, ele nos fez ao ponto de sermos todos parecidos, mas não iguais, nem mesmos os gêmeos univitelinos são totalmente idênticos.

Olodumare criou Orunmilá, sabendo que os seus filhos, como indivíduos únicos teriam missões, visões e vidas diferentes, pois seriam estes dotados do livre arbítrio. Desta forma cada um estaria aqui com a missão de aprender lições singulares. Orunmilá auxiliaria a todos que o procurassem com a sua sabedoria, para que pudéssemos romper as barreiras de nossa ignorância. Arriscaria dizer que Orunmilá é umas das provas mais lindas de que o Criador nos criou para que todos nós fossemos de fato vencedores e tivéssemos a capacidade de superar as dificuldades através da sabedoria de Orunmilá.

Ele também criou Exú, para que o mundo fosse dinâmico e não ficássemos inertes em nosso aprendizado. Criou Exú com inúmeros atributos, e entre eles para que tivéssemos paciência com os outros e para que os outros tivessem paciência conosco, afinal estamos todos passando pela mesma peleja. Exú, aquele que foi a primeira estrela a ser criada.

Olorun também trouxe para àiyé Ògún, o caçador, o agricultor, aquele que transforma a terra em ouro. O Orixá que nos ensina a sobreviver, viver e lutar pela nossa existência e pela existência dos nossos. Como os pais que saem todos os dias e vão trabalhar para trazer para casa o alimento da sua família e garantir a moradia. Ògún nos ensina de forma nobre e digna a termos uma vida honrada através do esforço contínuo, da coragem, da resiliência e até mesmo através do sacrifício, pois muitas vezes precisamos abrir mão do que queremos em prol do que precisamos.

Talvez eu já tenha escrito tudo isso em algum texto do MCA, mas hoje, especialmente hoje, meu Ori me mostrou mais um dos significados de por que saudamos Ògún com:

Ògún Ye Mo ye! Ogum está vivo, eu vivo.

Vou parafrasear um pouco para montar uma linha de raciocínio.

Espiritualmente e energeticamente o sangue representa o poder primitivo da vida, é no sangue que estão quase todas as informações sobre qualquer ser vivo, inclusive sobre a nossa ancestralidade. A mulher que gera a vida em seu útero, sangra mensalmente. Fisicamente o sangue nos abastece de oxigênio e transporta o alimento para todo o nosso corpo e é o sangue que nos fornece calor.

Portanto energeticamente, guarde essa informação: O sangue é fonte de vida.

Indo para outra questão: A vida é uma troca.

É demasiadamente cristão acreditar que Orixá terá piedade e operará milagres na vida de quem quer que seja se não houver uma contrapartida. Pode parecer assustador em um primeiro momento, afinal temos em nosso país um comportamento judaico cristão arraigado até nas cédulas de dinheiro e no gabinete d@ president@ da República.

Agora sinceramente, você com você mesmo e não precisa dizer para ninguém? O que você faz na vida ou pelas pessoas, seja quem for, que você não esteja esperando algo em troca? Seja sincero, mas é sincero ao ponto de saber que até quando damos o amor mais incondicional do mundo, esperamos o mínimo desse amor de volta ou até mesmo ansiamos que esse amor seja aceito. Portanto é uma troca.

O Universo tem suas próprias leis, como ação e reação, lei do retorno e a própria troca. Essas não são leis criadas pelo homem, que variam de um lugar para outro. Vive neste planeta? Vale para você também. Dentro desse mundo existe uma lógica energética que é por vezes invisível aos olhos dos que não observam a natureza. E quem são os Orixás senão representantes também da própria natureza?

Então até agora temos três informações:

1 - O sangue é fonte de vida

2 - A vida é uma troca.

3 - O universo tem suas próprias leis.

Há milhares de anos, os nossos ancestrais tiveram a sabedoria de observar e compreender a natureza para conhecê-la. Em algum momento no tempo um ser humano fez um ritual e percebeu que era possível salvar/trocar uma vida pela outra, e há registro de rituais de sacrifício em várias religiões inclusive de sacrifícios humanos.

Montando todas essas informações na sua cabeça, preciso te fazer algumas perguntas:

A vida da sua mãe ou a de um pato?

A vida do seu pai ou a de uma cabra?

A vida do(a) seu(ua) marido/esposa ou a de um pombo?

A vida do(a) seu(ua) filha(o) ou de um boi?

Tendo certeza absoluta de que um ato de manipulação energética, que conhecemos por ebó de forma generalizada, for executado por um sacerdote preparado e capacitado, ele tem o poder de tirar uma pessoa querida e importante em nossas vidas de uma doença, ou da UTI, da depressão, abrir caminhos para novas possibilidades ou até mesmo fortalecer a mente de uma filha que foi estuprada e precisa se recompor emocionalmente.

Quem você escolhe?

O bicho ou a pessoa?

Portanto, vida se paga com vida. Essa é uma das Leis do Universo que foi descoberta pelo nossos ancestrais e muitos de nós, já tivemos a vivência e a experiência de que de fato FUNCIONA.

Quase todos (Precisa ficar claro que são quase todos e não todos), os rituais de imolação são feitos através da lâmina de Ògún. Ògún o senhor do ferro. Tanto que o ritual de consagração para que as mãos de uma pessoa esteja capacitada a fazer rituais de imolação, passam pela bençãos de Ògún. (Este ritual existe em terras iorubás, mas não são todos os grupos que a praticam)

Ou seja, Ògún Ye Mo ye! Ogum está vivo, eu vivo.

Ogum Alagbede é o ferreiro, e é através do seu ferro que podemos trazer a vida para todos os que buscam uma nova chance. Através da imolação e da faca de Ògún é possível afastar os ajoguns (a doença, a morte, os infortúnios, a ausência de progresso, as pragas e as maldições, assim como todos os problemas que nos impedem de caminhar para frente). Ògún que através dos seu princípio fundamental, o ferro, trás ikú em encontro ao animal que será sacrificado, onde será possível novas possibilidades e oportunidades para o ser humano que naquele momento passa por dificuldades que o impedem de ser feliz ou até mesmo de continuar vivo. Então talvez seja a hora de repetir: Ògún vive, eu vivo.

Vai parecer um pouco poético ou talvez hipócrita da minha parte para alguns, mas não houve uma sequer imolação que fosse feita, para mim ou para outra pessoa em que eu estivesse presente, que no momento do ato litúrgico, eu não houvesse agradecido a Eledumare pela vida daquele animal e não agradecesse também ao Ori daquele animal, por através da vida dele dar a oportunidade a alguém de vencer uma situação que colocava em perigo a sua própria existência.

Uma vez conversando com um iorubá, numa conversa super enriquecedora para a compreensão CULTURAL do povo iorubá, ele me disse algumas palavras das quais não esqueci:

Prosa vai, prosa vem....

Ele: Qual a missão da vida de uma galinha, ou até mesmo de um boi?

Eu respondi: Preservar a espécie.

Ele: Ele sabe disso em nível consciente ou é um instinto primitivo?

Eu: Acredito que instinto.

Ele: Cada galinha recebe uma missão diferente na vida?

Eu: Acredito que não!

Ele: E os homens?

Eu: Sim…

Ele: Além dos seres humanos, quais seres vivos têm missão de progresso e conseguem evoluir ?

Eu: Quieta e pensativa…

Ele: Quem está no topo da cadeia alimentar por ter raciocínio lógico e ser inteligente?

Eu: O ser humano.

Ele: É por isso que acreditamos que Olodumare, através de Obatalá criou o mundo para nós. Todas as plantas, minérios e animais estão aqui para a sobrevivência humana.

Orin de Ògún

Ògún a diku mo

A di arun mo

A lana e si rere

Tradução

Ogum fechará seu caminho para a morte

Ele fechará seu caminho para doença

E o abrirá para a sorte

Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você)

IfáṢọlà Sówùnmí - Fernângeli Aguiar

*Toda experiência citada neste texto são pessoais e não se tratam de uma verdade absoluta perante a diversidade do culto dos Orixás seja brasileira ou africana.

Fontes de Ensinamento

Bàbálórìsà Ifáseun Sówùnmí - Fernando Aguiar - Sacerdote do Templo dos Deuses Africanos Egbé Àiyé - Brasília DF

Imagens Pinterest - Foto de autor desconhecido, caso o conheça por favor enviar contato para que eu possa dar os devidos créditos.

Bibliografia do Orin.

Livro: OGUM - Dor e Júbilo nos Rituais de Morte - Pág 97

Professor Sikiru Salami (Bàbá King)

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