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Mãe, Exú é do mal?


The Portraitist Adeolu Osibodu – Nigeria  - Entre os 100 finalistas de 2017 EYEEM PHOTOGRAPHY AWARDS

Esta é uma história inverídica porém verídica. Não se trata de um Itan.

Inesperadamente minha filha que acabou de entrar na adolescência me pergunta:

- Mãe, por que as pessoas dizem que Exú é do mal?

Abriu-se um rasgão no tempo e eu entrei por ele. Recordei de todas as vezes em minha infância e adolescência em que a minha fé me criou problemas de ordem social. Minha filha mais velha podia estar passando agora por problemas que eu já passei e eu precisava ajuda-la de alguma forma, mostrando a ela que a nossa fé nos fortalecia, nos tornava atores principais de nossas vidas e não coadjuvantes. Foram mil pensamentos em uma fração de segundos, eu precisava costurar fragmentos e sentimentos e entregar para ela confiança e argumentos que jamais a deixassem insegura.

- Filha você sabe o que é caos?

- Não, mãe. Mas é ruim?

Voltei aos meus pensamentos...

Nos dias atuais e com a raiz cultural tão cristã que vivemos, com evangélicos loucos nos demonizando e agora até mesmo padres que pareciam ser mais imparciais, ter como responsabilidade explicar a nossa filosofia e os nossos Orixás para uma adolescente de uma forma racional, lógica, mas sem perder a poesia e a magia era o desafio. As mulheres estão assumindo seu lugar na sociedade e assim se empoderam, aquele era o momento de dar argumentos para que ela se sentisse abençoada e empoderada por fazer parte de alguma forma desse universo iorubá.

Antes de vir com toda aquela história já conhecida por nós de Exú versus Diabo, eu resolvi fazer diferente. Eu respirei o mais fundo do que pude e deixei meu Ori me levar por um conto que nunca foi contado, mas que nasceu ali naquele momento de forma espontânea.

Continuei...

Numa época há muitos e muitos anos havia um devoto de Exú chamado Èsùyomi. Yomi andava inquieto consigo, sentia-se perdido, sua vida estava muito parada e ele queria dar mais movimento à ela, estava insatisfeito com o rumo que a sua vida tomava. Ele resolveu visitar um amigo que morava do outro lado do deserto. Esse amigo havia acabado de abrir um pequeno negócio de vendas e ele queria ver como estavam as coisas, para talvez tentar o mesmo em sua cidade.

Antes de viajar Yomi procurou Exú e contou a ele sobre a viagem. Exú lhe disse que como ele já sabia, tudo na vida era uma troca, que para cuidar dele durante a viagem que duraria dias e garantir que chegasse bem até o outro lado do deserto, ele deveria fazer uma oferenda, e que assim ele iria garantir que estaria com ele durante todo o percurso. Yomi fez a oferenda. Exú lhe aconselhou a se organizar bem na viagem e levar o que era necessário.

No dia seguinte, antes mesmo do sol beijar o nosso horizonte, Yomi pegou sua sacola com água e algumas roupas, mas deixou o mapa para trás, pois sabia que era um reta só e já tinha feito aquele caminho algumas vezes. Yomi mirou o horizonte e disse para si mesmo: Só preciso ir reto que em dois dias de caminhada eu logo chego.

Ele foi.

Exú foi com ele.

Partiu cantando:

Exú me acompanha onde eu vou

Exú está no meu caminho

Lalú me apoia

Odará me abençoa

Nas primeiras horas de caminhada ele já estava cansado. Exú apenas observava o seu devoto, mas esperava com paciência o momento em que ele se lembraria de tudo que Exú o ensinou ao longo dos anos, perante a sua devoção. Mas a irritação e a impaciência dominavam Yomi e ele já não pensava direito.

Em 24 horas de viagem, com direito a uma pausa para descanso, Yomi percebeu que já tinha bebido quase toda a sua água. Exú o observava, sabia que Yomi não tinha se organizado como ele o aconselhou. Mais seis horas se passaram e a água acabou. De repente Yomi ficou frente à frente dos seus próprios passos na areia, foi aí que ele percebeu que estava andando em círculos.

Exú OOOOOO!

Exú eu te saúdo!

Exú, eu te chamo!

Exú, eu te chamo!

Exú, eu te chamo!

Meus respeitos, Bàbá mi! Por favor me ajude, estou com sede e ainda longe do meu destino e perdido.

Nada aconteceu.

- Onde está você? - Yomi clamava por Exú.

- Preciso da sua ajuda! - Ele insistia.

O silêncio do deserto era absoluto.

Yomi ficou irritado e ainda mais impaciente, começou a gritar e esbravejar no tempo que Exú o tinha abandonado. Que Orixá Exú o tinha esquecido.

Enquanto isso, Exú apenas observava.

Yomi arriscou continuar caminhando em uma direção, pois se desistisse morreria ali mesmo, mas a direção escolhida não era a certa. Foi aí que Exú correu como uma flecha na frente de seu devoto. Exú escolheu um local e começou a cavar um buraco na areia. Ele cavou, cavou, cavou e cavou. De dentro da sua sacola tirou três objetos e os jogou dentro do buraco.

Quando o devoto de Exú ia passando perto do buraco, Elegbará pediu que um pássaro cantasse no céu e foi o que chamou a atenção de Yomi, fazendo-o olhar para cima, com mais dois passos, ele caiu dentro de um buraco com mais de 4 metros de profundidade.

Pausa dramática!!!

- Mãe, Exú fez Yomi cair dentro do buraco de propósito? [Ela me perguntou num tom de indignação.]

- Sim. [Eu respondi segurando a risada.]

Ela ficou me olhando desconfiada e eu voltei para a narrativa.

Yomi caiu no buraco e continuou com os olhos fechados. Ele chorou. Com as mãos sobre o rosto, ele se sentia abandonado e agora traído por Exú. Ele agora estava no meio do deserto, perdido, cansado, com muita sede, desidratado, caído dentro de um buraco e sem ter como sair... e o pior de tudo, Exú tinha mentido para ele.

Sentado na beira do buraco, Exú balançava as pernas e observava. Yomi era devoto há tantos anos e ainda não sabia como agia Exú. Yomi só via a sua desgraça, só conseguia sentir pena de si mesmo. Horas se passaram e ainda com os olhos fechados, ele lembrou da recomendação de Exú: " SE ORGANIZE".

- BURRO! Ele gritou. Quase sem força na voz de tanta fraqueza.

Exú então conversou silenciosamente com o Orí de Yomi, pedindo para que ele parasse de ter pena de si mesmo e abrisse os olhos. Orí escutou Exú, Orí também queria sair dalí. No mesmo instante ele abriu os olhos, limpou a areia de seu rosto e viu água, uma corda e um mapa e gritou:

Laaaroyeeeeeeeee!

Yomi, o teimoso, impaciente e desorganizado, agora tinha aprendido.

Com a água matou sua sede, com a corda ele laçou a árvore seca que estava à beira do buraco e com o mapa ele seguiu na direção correta.

Minha filha ficou olhando para o nada, enquanto eu observava o semblante dela. Esperei ela dizer algo.

- Mãe, é assim que Exú age em nossa vida?

- Sim.

- As pessoas acham que ele fazer Yomi cair no buraco faz dele mal?

- Sim.

- Mas mãe, por que ele simplesmente não deixou a corda, a água e o mapa no meio do caminho, ao invés de fazer ele cair no buraco?

- Porque ele precisava se fortalecer. Nós só nos fortalecemos quando chegamos no nosso limite e é através das lições de vida que nos tornamos mais fortes. [ E eu fui em frente] Agora me diga o que é o caos?

- É o buraco?

- Simmmm! [Eu disse com um sorriso largo no rosto cheia de orgulho] – E o caos é bom ou ruim?

- Ele é bom, mesmo que na hora a gente não entenda.

- Exú é bom ou ruim?

- Depende de como entendemos o que é bom ou mau.

- Você entendeu?

- Sim mãe, mas eu ainda tenho mais uma pergunta.

- Pode fazer filha.

- Exú deixaria Yomi sem ajuda?

- Claro que não! Exú tem uma palavra só. Mas ele espera que façamos a nossa parte e tenhamos o comportamento que ele nos ensina. Temos que confiar naquilo que acreditamos, pois de qualquer outra forma, não é fé.

Somos seguidoras e seguidores dos Orixás. Somos por excelência protagonistas de nossas vidas, e quem está no comando somos nós.

Ọ̀nà’ re o - (Um bom caminho para você)

IfáṢọlà Ṣówùnmí - Fernângeli Aguiar

Agradecimentos: Para um amigo de coração enorme, que não gosta muito do seu nome divulgado, mas que me ajudou na melhora da construção deste texto. E seun Bàbá !

*Toda experiência citada neste texto são pessoais e não se tratam de uma verdade absoluta perante a diversidade do culto dos Orixás seja brasileira ou africana.

Imagem: The Portraitist Adeolu Osibodu – Nigeria - Entre os 100 finalistas de 2017 EYEEM PHOTOGRAPHY AWARDS

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