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Egúngún e as Mulheres


Talvez eu devesse ficar quieta, como tenho ficado um pouco mais nos últimos anos, quem sabe fosse mais sábio da minha parte. Só que tem uma forte parte minha que diz: Não se cale! Mesmo que não seja por você e sim por todas as mulheres que ainda virão. Não tenho intenção de mudar o mundo, mas por vezes sonho de tornar a religião um lugar melhor para nós, as mulheres, já que tantas pessoas me lêem e me procuram, por quê não? Talvez tenha sido embalada pela série da Netflix, baseada na história real de Lidia Boet, a primeira advogada italiana. Aliás assistam, vale a pena os 6 episódios. De certo, digo a vocês que a cada dia gosto menos das religiões e dos seus sistemas de poder, todas elas, inclusive a Religião Tradicional. No entanto, ainda me fascina a espiritualidade Yoruba, me faz o coração acelerar e sorrir aos Orisa, sua fala em nosso íntimo, suas respostas e comunicação quando não há a interferência do ego humano e das intenções de poder. Minhas pupilas se dilatam de alegria, meu corpo treme de boas emoções. Não tenho amigos Babalawo dentro da Religião Tradicional Yorùbá, talvez porque eu não peço, não finjo e não dependo de ninguém. Se precisar de algo, eu trabalho para poder pagar. Possivelmente após a publicação deste texto eu me tornarei a louca mais uma vez. Infelizmente me envolvi com um deles há alguns anos atrás e fui rapidamente taxada como puta. Já um outro homem que acredita ser o dono do Isese Lagba no Brasil, me chamou de louca, quando questionei um ensinamento dele. Ameaçada de morte? Algumas vezes. Macumbas e feitiçarias chegando em casa? Também. Meus inimigos não são pequenos. Esta é a arma mais antiga dos homens contra as mulheres: Acabem com a sua honra e moral, chamem de louca ou de vagabunda. Logo eu… que nunca oprimi a minha voz, sempre dei a minha opinião, quando havia uma, e nem me vesti de imaculada. Eu sou devota de Osun, sei o meu lugar, uso as armas que tenho e possuo bom senso e caráter.

Essa questão do machismo é tão intrínseca, que as pessoas nem percebem. Há alguns anos, no máximo dois, um grupo de sacerdotes se reuniu na internet para falar do papel da mulher dentro do Ifá. Para falar a verdade eu nunca assisti, mas me chamou atenção na chamada, que não havia nenhuma mulher entre eles. Olhei aquilo e pensei: Que lugar confortável. Eu sentia como se fosse uma reunião de homens falando sobre a dor de parir e amamentar. Não que devessem me chamar, pois eu não participaria, mas há muitas outras mulheres que poderiam estar ali. Passa despercebido, ninguém vê.


Sem mais delongas e desabafos o assunto que hoje vou tratar é um tabu e talvez muitos de vocês sequer saiba, então vou introduzir o tema rapidamente, e saiba que não quero mudar a religião com este texto, mas apenas trazer uma versão da história que foi calada. No final haverá o link para o artigo que originou este texto.

Resumindo e sendo bem simplista, o culto de Egungun, ponto central deste texto, refere-se diretamente aos nossos mortos, aos sábios ancestrais, um corpo coletivo daqueles que viveram aqui e possuem honrarias de alguma forma que nutrem e protegem aos que aqui vivem com suas bênçãos e sabedoria. É um culto prioritariamente masculino. As mulheres não têm acesso aos segredos de Igbale. As mulheres que são introduzidas parcialmente nos ritos têm a função de cozinhar, costurar e, dependendo do local, de dançar conduzindo os mascarados que entram em algum local. Egungun manifesta-se em aye através de vestimentas onde são escondidas todas as suas partes, incluindo mãos e pés. Já o rosto é sempre envolto de máscaras, daí refere-se aos mascarados. Por trás das vestimentas de todos os cultos de "mortos" estão os homens, apenas homens, até no Festival de Gelede, que é infinitamente de menor relevância, e que prestigia o poder das Anciãs e do feminino são homens por debaixo das vestimentas e das máscaras de madeira. Ah! O Culto de Egbe Orun também faz parte dos mascarados, em que são celebrados os nossos amigos espirituais, mas só podem ser vestidos por homens. Pergunte para qualquer Yoruba, Oje, Alapini o motivo disso. Por que há essa premissa masculina sendo que os mortos são NOSSOS também?


Eu lhe garanto que você não vai receber nenhuma resposta, pelo menos razoável.


Esta foi a crença que escolhi para a minha vida, que escolhi passar para as minhas filhas, então cabe a mim aceitar. Certo? Sim. Mas isso não significa que eu não possa buscar respostas, mesmo que eu jamais vá mudar uma tradição. A grande pergunta é: Por que nós mulheres somos inferiores dentro do sistema de poder religioso e ficamos sempre com as migalhas?


Há pouco tempo li um artigo chamado de "A origem de Egungun" - The Origin of Egungun: A critical Literary Appraisal - Outubro de 1996 - Abdul-Rasheed Na'Allah - University of Alberta. Este artigo aborda, como o próprio tema diz, as origens do culto de Egungun e indaga se a sua origem aconteceu dentro do próprio povo Yoruba ou se originou-se do povo Nupe, para muitos conhecidos como os Tapa. O autor faz entrevistas e usa referências de autores bem conhecidos e em sua narrativa, que evidencia que os Nupe tiveram uma grande influência na construção do sistema religioso Yoruba, principalmente dentro de Egungun. É importante lembrar que Torossi, mãe de Sango, era Nupe e que isso nunca foi segredo para ninguém. Nos dias de hoje, os Nupe são 99,9% muçulmanos, mas antes disso acontecer eles tinham uma religião nativa aborígene.


O grande ponto deste texto, não é a origem do culto de Egungun, isso não muda nada para nós brasileiros, mas como a manifestação dos "Mascarados", aqueles que vestem e representam os nossos ancestrais tornou-se algo estritamente masculino. Por que é um culto prioritariamente para os machos? Leia algumas partes na íntegra: "Os informantes X, 70. Y, 72 e Z. 35, todos me contaram que muito antes do surgimento dos Nupecizi (os Nupe) na terra, os homens decidiram planejar estratégias que garantissem a segurança das pessoas e propriedades da comunidade. Eles queriam que suas estratégias fossem mantidas em segredo e, portanto, decidiram se encontrar à noite. Eles mantiveram mulheres e crianças fora da reunião, acreditando que poderiam facilmente revelar seus planos. No entanto, cada vez que uma determinada mulher brigava com seu marido, ela zombava dele, referindo-se ousadamente às suas submissões às deliberações secretas dos homens. A notícia logo se espalhou entre os homens e eles decidiram descobrir como a mulher conseguiu essa informação. O oráculo lhes disse que essa mulher se transformava em gata e sempre participava de suas reuniões. É verdade que o gato apareceu durante as três reuniões seguintes, e todos os seus esforços para matá-lo foram inefetivos. Cada vez que tentavam capturar o gato, ele desaparecia no ar. Os homens mudaram o cronograma de reuniões para uma vez por semana. No dia anterior à reunião, alguns homens colocaram máscaras e se cobriram com roupas escuras (às vezes vermelhas ou rosa). Eles assustaram mulheres e crianças, alguns segurando bengalas. Alguns dos homens eram altos e outros eram baixos. Isso se desenvolveu no que agora é uma tradição religiosa de mascarados altos e baixos entre os Nupecizi" Mítico? Sim. Mas há todo um contexto político e social, que aborda justamente onde quero chegar. A origem dos pontos em que a figura feminina é emudecida. É importante lembrar que na história da Nigéria o povo Nupe invadiu as terras Yoruba. Samuel Jhonson afirma que o culto de Egungun era Nupe: Os primeiros Alapini com os outros sacerdotes de Egungun, os Elefi, Olohan, Oloba, Aladafa e os Oloje, emigraram do país Tapa para a terra Yoruba, juntando-se aos remanescentes que retornavam de Bariba, seu país. (Johnson, 1973: 160).


O autor do artigo também dá voz àqueles que afirmam que a Origem do Culto de Egungun é Yoruba, no entanto na argumentação não há nenhum viés político, apenas mítico, e não há nenhuma explicação para que as mulheres não estejam incluídas no culto, veja abaixo: "Outro era um mito sobre dois filhos (um fazendeiro, o outro cantor/dançarino) do mesmo pai. O cantor/dançarino tem boas roupas que atraíam muitas pessoas. Ele ficava envergonhado, então colocava um véu sobre o rosto e as roupas sobre a cabeça. Assim, ele se tornou o Egungun. Outro mito dizia que o Alapini, o chefe mais antigo de Oyo, teve três filhos: Ojewumi, Ojesanmi e Ijerinlo.

Essas crianças o desobedeceram comendo o "Ihobia", uma espécie de inhame. Eles ficaram com sede, foram ao riacho, um após o outro, beberam a água e caíram mortos. O Ifa, deus Yoruba da adivinhação, concordou em reencarná-los. No sétimo dia, eles voltaram à vida, mas tiveram que cobrir seus rostos porque "eram terríveis de se olhar". Eles entraram na cidade em belos trajes e assim se tornaram Egungun. (Olajubu, 1980: 389)"

E por fim e não menos importante neste artigo: "A teoria nativa de Nupe na Seção 3 traçou o início de Egungun para "o início do Nupe na terra." Segundo a tradição oral, o culto surgiu para satisfazer a necessidade daquele momento, ou seja, para afugentar mulheres e crianças."


O que vai adiantar este texto?

Nadinha. A roda continuará girando da mesma forma, mas para mim uma mulher, uma sacerdotisa dentro da Religião Tradicional Yoruba, que grita pela equidade, pelos mesmos direitos, este artigo é como um bom drink gelado numa noite de calor. A religião, aliás as religiões, estão sim impregnadas de um sistema político, machista e patriarcal de poder, a espiritualidade não. Portanto quem diz o que eu posso e o que eu não posso são os Orisa, meu Orí e a minha vontade. Sendo louca ou não… que muitas loucas entendam aqui o que diz nas entrelinhas este texto: Nunca fomos menores.


Iya Ifasola Efungbemi Olori Ile Ase Obatala Oni Igba Iwa - Brasília Contato: 13 99687 1985

Bibliografia:


Na'Allah, Abdul-Rasheed. "The Origin of Egungun: A Critical Literary Appraisal." African Study Monographs 17.2 (1996): 59-68.

Johnson, S. 1973. The History of the Yorubas. Routledge & Kegan Paul Ltd., London.

Olajubu, 0, 1980. The Yoruba Egungun masquerade cult and its role in the society. The Masquerade in Nigerian History and Culture. Proceedings of a workshop sponsored by the School of Humanities, University of Port Harcourt, Nigeria. ACESSO AO ARTIGO AQUI.

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