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Não conte a ninguém! A Influência Islâmica na tratativa com as mulheres no culto de Ifá


Eles dizem que o seu corpo mostra qual a vontade de Deus, sim aqui escrevo Deus, pois quero generalizar. Você nasceu para procriar, gerar e alimentar a cria. Esta é a sua função.


Em Paris, no Museu do Louvre, no saguão das peças identificadas do período paleolítico, há uma abundância de pequenas esculturas de pedra de mulheres com seios grandes, quadris largos e um abdômen bem avantajado. Deusas, procriadoras, seres que sangram mas não morrem.





O que vou escrever aqui é algo muito sério, que pode mudar a sua visão sobre Religião Tradicional Yorùbá para sempre. Saiba que eu não quero que você jogue seus ikins em um rio e nem quero que você desista de iniciar em Ifá. Eu não joguei os meus e sigo forte. Eu quero apenas que você esteja 100% consciente de onde você está ou para onde está indo.


Todo o texto e conclusões aqui expostos são de minha responsabilidade, fruto de observação, estudo e vivência e de ninguém mais. Claro que há uma fatia dos homens, aqueles que se beneficiam com a o atual papel da mulher na Esin Orisa Ibile, que vão dizer que é invenção da minha cabeça, falta de homem ou de uma louça pra lavar. Já estou preparada.


Antes de começar preciso contextualizar da maneira mais prática e direta, porque eu não quero perder a sua atenção, mas eu preciso que fique comigo nessas linhas sobre a história.


Vou trazer um trecho do meu texto escrito em 2019:


O momento exato em que parte dessa sabedoria ancestral passou a ser perdida foi na invasão Britânica no início do século XIX, em sua colonização. Os ingleses levaram para a Nigéria o cristianismo. - HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios, 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2012.


Na pré-colonização, também no início do século XIX, Shaikh Usman Ibn Fodio, um promotor religioso Islâmico, com suas tropas submete o norte da Nigéria ao seu controle e temos uma invasão de muçulmanos chegando no país - P E; Amanambu, U E. A CRITICAL ANALYSIS OF THE EFFECTS OF THE 1804 USMAN DAN FODIO'S JIHAD ON INTER-GROUP RELATIONS IN THE CONTEMPORARY NIGERIAN STATE. International Journal of Religion & Human Relations Vol. 9 No 1 June, 2017.


Foi também no final do século XVIII e principalmente inicio do XIX que ocorreu a chegada de inúmeros Yorùbá no Brasil, vindos para serem escravizados na terra que passava por grandes transformações devido a colonização portuguesa - SILVA, Alberto da Costa. A Enxada e a Lança: a África antes dos portugueses. 2 ªed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. 1996.


Então começo afirmando, baseada nas datas históricas acima, que os primeiros Yorùbá que vieram para o Brasil, através do tráfego de pessoas, não tiveram um contato significativo com a cultura e religiosidade cristã e Islâmica. O que significa que eles não foram influenciados ou contaminados pelo islamismo.


E o que isso significa?


Que os Yorùbá em sua verdadeira origem nativa, não tinham o patriarcado instaurado em sua composição social, cultural ou espiritual. Visto que o legado ancestral, desse povo que NÃO TEVE contato com a cultura Islâmica e cristã e veio para o Brasil, foi deixado e manifesto através do Candomblé, Batuque ou Tambor de Mina, em que não há nenhum sinal de segregação por gênero.


Vou agora me atrever a fazer comparações de alguns dogmas muçulmanos facilmente encontrados dentro da Religião Tradicional Yoruba e especialmente daqueles que praticam o Ifá e que acreditam em sua superioridade dentro do culto.


Imediatamente me lembro de duas mulheres, em 2017, que me procuraram pedindo orientação, pois um dito Babalawo brasileiro disse a elas que o Odù Ifá dele determinava que ele tivesse mais de uma esposa, e ele conseguiu convencer ambas, através de palavras manipuladoras usando a fé delas, de se tornarem um trisal. Ambas deviam servi-lo, é importante destacar isso. No entanto, em 6 meses aproximadamente, a tal experiência fracassou, o homem foi desmascarado quando as mulheres se uniram. Em terra Yorùbá um homem pode ter quantas esposas desejar, desde que dê a todas a mesma qualidade de vida.


Leia agora a regra no Islamismo : "a poligamia é permitida no Islã, com a condição de que o homem possa sustentar financeiramente todas as suas esposas de maneira justa e equilibrada."


Quero dizer que eu já presenciei a relação de esposas de Babalawo em terra Yorùbá. Elas não são felizes, mas acabam acatando a tal regra. Há filmes de Nollywood que também retratam a confusão que é.


Comecei a estudar um pouco mais sobre o papel da mulher no Islamismo e sobre o comportamento e a cultura Islâmica. Foi quando descobri que a Nigéria por ser o país mais populoso da África, com cerca de 170 milhões de pessoas, de acordo com um relatório de 2011 do ‘Pew Research Center’, abriga a sexta maior comunidade muçulmana do continente africano. Nesse relatório também há a projeção de que a Nigéria terá uma maioria muçulmana até 2030. (Fonte: https://iqaraislam.com/)


Socialmente e historicamente é impossível não haver influência Islâmica na cultura Yorùbá, afinal são séculos de convivência. Várias ruas de todas as cidades possuem nomes em homenagem a chefes e lideranças Islâmica. Quando você vai para a Nigéria você fica impressionado com a quantidade de mulheres na rua usando Niqab, Chador, Burka, Al-Amira, Hiyab ou Shayla (tipos de véu da cultura e religião árabe).


Atente-se agora as roupas que muitos vestem, Babalawo, inclusive no Brasil. Aqui abaixo há peças do vestuário árabe/Islâmico:





Também há alguns tipos de tambores que se assemelham, mas não consegui encontrar a verdadeira origem, para conseguir comprovar.


O que quero mostrar com este texto é que a Religião Tradicional Yorùbá, principalmente o Ifá, é influenciado pelo contato com o Islamismo muito mais do que você pode imaginar. E que alguns "fundamentos" hoje praticados por Babalawos dentro do Ifá são reflexo de 300 anos de Influência árabe/Islâmica, principalmente em relação a supremacia masculina.


Veja pontos da cultura Islâmica que se assemelham a atual visão patriarcal difundida entre os Yorùbá.


1. A mulher após casar-se pertence ao marido e a família dele.


2. A poligamia, como já citado acima.


3. Mulheres não exercem nenhum tipo de liderança sacerdotal, essa função é exclusiva aos homens.


4. Cabe a mulher dar muitos filhos ao marido, para que ele possa difundir o Islã. Pois é função do homem decidir sobre o futuro dos seus filhos, a priori a mulher não tem nenhum direito opinar sobre a vida deles.


5. A mulher é considerada "impura" no período menstrual.


6. É dito que a mulher é a grande zeladora e o pilar da sociedade, no entanto nenhum poder de decisão é dado a ela.


Então quando voltamos no tempo há 300 anos, e encontramos os primeiros Yorùbá cultuadores de Òrìṣà em terra brasileira (que não se trata de nenhuma religião afro-brasileira, já que o Candomblé é a união e a junção de vários povos nativos africanos entre eles os bantos e os gege/jeje, e não apenas os yoruba. Encontramos a mulher em pé de igualdade, respeito e até mesmo sendo uma matriarca.


Então, agora eu pergunto:


Foram os Òrìṣà e os mitos antigos que estabeleceram um papel inferior e apenas de apoio e serviço dentro da Religião Tradicional Yorùbá atual para as mulheres, ou foi a influência da cultura e da religião Islâmica dentro da Nigéria, que hoje ocupa mais de 44% da população?


Nos últimos 10 anos, eu fui alvo de fofoca, de sarcasmo e chamada de louca por não baixar a cabeça para os homens. E muitas mulheres participaram do escárnio, o que de fato é o que mais dói. No entanto ainda assim consegui o meu lugar e hoje quando se fala em mulher na Religião Tradicional Yorùbá no Brasil, o meu nome estará entre os três primeiros.


Eu fui criada no interior do Nordeste, no Ceará, sem privilégios financeiros e para conseguir galgar e conseguir conhecimento eu precisei estudar muito mais do que vocês possam imaginar. Quando eu precisei pagar por iniciações, conhecimentos e afins, com toda certeza eu precisei abrir mão de algo em casa, para as minhas filhas e para mim. Para ir para África eu fui com todo o dinheiro do meu FGTS e desempregada. Pois a Religião Tradicional Yorùbá é maravilhosa, porém obter conhecimento direto da fonte é muito caro. Se você for mulher será ainda mais complicado.


Uma seguidora do perfil do Instagram, Tamara Nunes, me fez a seguinte pergunta: "Meus respeitos, Ya. Gostaria de saber o porquê não há mulheres brasileiras pretas como lideranças no ifá? Seria pelo fato de ser um culto financeiramente inalcançável para elas? Ou não é, ainda, a tradição da mulher preta, o acesso ao Ifá?


Se para mim mulher branca é muito difícil, é como uma guerra fria, imagino como deve ser para as mulheres que possam ter menos privilégios que eu.


Talvez elas estejam lutando pelos seus espaços e para serem ouvidas, ou decidiram permanecer no Candomblé, onde elas já são rainhas. Eu não sei, mas de fato não conheço ainda a representatividade de mulheres negras/pretas entre as sacerdotisas ou vozes de liderança no Brasil. Confesso que gostaria de saber, mas infelizmente não há união entre nós mulheres. Diferente dos homens, pois independente de idade, cor ou qualquer outra diferença sempre estão no #brothersforever #irmandade #parça #brocode #clubedobolinha. Sim este trecho possui uma boa dose de inveja do tal código entre os homens.


Agora eu lhe pergunto:

O que fazer?

Tem como lutar contra?

Ou as mulheres continuarão em seus papéis subservientes e na tratativa de estar sempre em busca de agradar os homens e suprir seus desejos?


Não tem como lutar contra.


No entanto, encontrei um meio de fazer a minha parte. O MEU Ile, dentro dos meus muros, não há submissão das mulheres e talvez isso me desclassifique como um Ile 100% "Tradicional". Se eu preciso de um sacerdote homem, eu o chamo, ele faz o trabalho que cabe a ele e volta para casa dele. Neste galinheiro não tem galo.


Considere que tudo está se transformando o tempo todo, nada permanece intacto à ação do tempo e das pessoas. As influências muitas vezes são sutis e silenciosas como um leopardo que se esconde no mato alto observando a sua presa.


Todas, absolutamente todas as religiões sofrem influência dos costumes e da cultura, das gerações que a praticam. Não há como impedir esse movimento tão lento e tão constante.

Olhe por exemplo para a nova geração da Quimbanda/Kimbanda, ou como é difícil encontrar uma casa de Umbanda raiz.


Para terminar reforço que este texto não tem como objetivo incentivar as mulheres a abandonarem o Ifá. Aqui estou oferecendo uma lupa e não uma foice. O importante é estar consciente de que o Ifá possui influência do Islamismo (religião e cultura) e que não tem como mudar. O ponto máximo deste texto é: Onde quer que você esteja, não seja ignorante, esteja consciente.


Ona're O

Um bom caminho para você.

Iya Ifasola Egbekemi 

Ile Obatala Oni Igba Iwa - Brasília DF


Instagram

@meucoracaoafricano


Compartilhe o conhecimento com responsabilidade dando sempre os devidos créditos e as menções para quem escreveu.


Contato para consultas com Eerindilogun: 13 99687 1985


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5 Comments


Mais um texto seu que paralisa meu corpo e bombardeia minha mente. Sou ocultista, e uma das razões que me levaram a este caminho foi justamente a forma como enxergam o feminino, e esta posição hierárquica entre homens e mulheres, que existem em outras vertentes religiosas. Todos os grupos no qual faço parte tem mulheres a frente, e elas procuram fortalecer cada vez mais esta corrente. Cuidam de homens tbm mas o foco principal é o empoderamento das mulheres com cursos e tratamentos específicos para elas, preços mais acessíveis... Mas a uns três anos, venho estudando sobre Ifá, e a um ano, venho dando pequenos passo nessa estrada, passos cautelosos, pq já havia percebido isso que mencionou em seu texto…

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Conhecimento é luz

Gratidão 🌻

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Importante, Iya. Gratidão infinita pela força de criar muros ao redor do seu Ile e transformá-lo num lugar igualitário para as mulheres.


Basta estudarmos os Odu Ifá, buscando a essência do ensinamento, que teremos certeza que não existe sobreposição, mas sim equilíbrio entre o masculino e feminino. Será que é a toa que nos deparamos, tantas vezes, com a ira das Grandes Mães? Eu acho que tem reflexões importantes aqui.


Que nenhum de nós se esqueça: "por maior que seja o Rei, ele tem uma Mãe". Àbórú Aboye Abosise, Iyá. Sua benção. Obrigada por tanto, a senhora é referência.💚🤎

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Imensamente grata por esse texto iluminado. Parabéns!

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Muito obrigado pelo esclarecimento profundo, é realmente o ponto que devo levar pra vida: "Onde quer que você esteja, não seja ignorante, esteja consciente"

Ona're o

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