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Não, ao Ifácentrismo





Há alguns anos eu conheci Ifá e me encantei com a sua filosofia, com a sua proposta de zelar o caráter e trabalhar individualmente o destino. Era um sonho, principalmente por ter vivido tantos problemas, apanhado da vida, levado rasteira poder me agarrar à esperança de que alguém poderia mudar a minha história.


Levantei uma grande bandeira em nome do caminho de Ifá. Eu me iniciei, iniciei minhas filhas e trouxe para este caminho centenas de brasileiros, que motivados pelos meus textos foram buscar Ifá. Recebi tantas mensagens de agradecimento que me emocionaram, que perdi as contas, mas cada uma delas teve o seu devido valor.


Antes de continuar quero apenas deixar aqui esclarecido que me refiro aqui ao culto de Ifá e não da Religião Tradicional Yorúbà. Há famílias em território Yorúbà que praticam a religião dos Orisa, mas que nunca se iniciaram em Ifá. De fato não são muitas, mas elas existem.


De repente, como uma experiência que aguça todos os meus sentidos, visão, olfato, paladar, audição e tato, fui conhecendo todas as nuances desse meio. Conheci a sala de estar, os quartos, a cozinha, o quintal e de repente eu entro no porão. Me lembro inclusive quando conversei rapidamente com a Iyalawo, Chief FAMA, Aina Adewale Somadhi, sobre esse porão, e ela me disse: "Não tente lutar contra isso".


Quando estive na Nigéria em 2019, eu era uma mulher branca sim, mas antes de tudo devota, apaixonada, nascida dentro do culto afrobrasileiro, que tinha pego todo o seu fundo de garantia e viajado em busca da minha saúde, sem olhar como seria financeiramente nos meses seguintes. Fui por amor e por dor. Era o sonho de uma vida que se realizava. Chegando lá, meus olhos percorriam os detalhes culturais, o comportamento interpessoal entre eles, e foi assim que captei situações que jamais publiquei nas redes sociais, por pura tristeza. Entre elas o ar de superioridade que os Babalawo possuíam diante dos outros sacerdotes, como se de fato eles estivessem no topo da cadeia. Eu convivi dentro de casas de Orisa, em Festivais públicos para os Orisa no meio de uma multidão e vi de muito perto o olhar de pouca valia com os sacerdotes de outros Orisa, mas principalmente com as mulheres. Mulheres essas, Iyalorisa de Osun, Obaluaiye e Obatala que me deram colo e cuidaram de mim quando tive um mal estar, quando ainda estava lá. Senhoras anciãs que dançam e cantam com tanta alegria para os Orisa, que se olham com o mais profundo olhar de conformidade e pacto entre elas. O Ifá é patriarcal, todas as decisões e poder estão centralizadas apenas nas mãos dos homens. O culto a Ifá contém uma forte influência islâmica, onde uma cabra tem mais valor do que as mulheres. Também tem forte impacto cristão, onde as mulheres devem obedecer os homens, e quer saber? Isso não vai mudar NUNCA, e de verdade, cansei de bancar Xena "a Guerreira".


Desde a minha viagem até aqui, descobri sobre o porão, sobre o seu mofo, mal cheiro e sobre o que está escondido lá, tantas coisas, que se eu abrisse minha boca, talvez não houvesse magia o suficiente para que eu permanecesse em segurança. Não sei você, mas eu acho Jesus Cristo um cara maneiríssimo, tenho um enorme carinho por ele, mesmo que ele seja um personagem criado para a história do capitalismo e do poder. Meu problema nunca foi com Jesus, até confesso que na minha infância, aos 3 anos - sim eu me lembro - , eu tinha sonhos com ele me visitando e brincando comigo no jardim de casa fazendo comidinha com folhas, terra e água. Eu amo Ifá, sou grata a quem me tornei depois do meu Itefá. De como os caminhos de humilhação sumiram da minha estrada. - Ahhhh Ifá como eu amo você! Como sou grata por tudo o que fez e faz na vida da minha família, mas a questão é que estou tendo um probleminha com aqueles que falam em seu nome, muito parecido com aqueles que falam em nome de Jesus.


Sabe aquela frase: Jesus é o caminho a verdade e a vida? Pois é. Eu não acredito em um Ifá"centrismo" - nem sei se essa palavra já existe, mas sei que tudo o que converso com a maioria dos Babalawo a resposta é: "Foi Orunmilá quem permitiu que tal coisa acontecesse." "O único que possui um oráculo verdadeiro é Ifá, o restante só existe porque Ifá existiu antes"

Sem contar as histórias sem pé nem cabeça que fazem uma imposição da desvalorização da mulher nos ritos, nos mitos e em todo restante. A história de Iya Odù para mim é a mais impressionante. Sei que com este texto, estou soltando a mão de todo círculo de Babalawos, que eu já defendi e apoiei no passado, mas a partir deste momento eu afirmo publicamente, o que sempre já existiu dentro da minha casa: Ifá não é o centro de tudo, Ifá não é o mais importante, o culto aos Orisa podem existir sem o Ifá. Mesmo que eu continue trazendo Sacerdotes da Nigéria para fazer o Itefá, a iniciação em Ifá, não tem maior importância do que as outras. O culto aos Orisa está muito vivo. E mais uma vez trago minha frase preferida: "Pássaros criados em gaiolas acreditam que voar é uma doença" de Alejandro Jodorowsky . Com amor aos Orisa. Iya Ifasola Egbekemi




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