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Ifásola Sówùnmí - Fê Aguiar

Escolha bem as suas batalhas


Todos os dias quando saímos de nossas casas e temos o calor do sol sobre os nossos rostos, estamos indo travar mais uma batalha. A peleja pela sobrevivência, pela felicidade, pela paz ou por algum desejo que decidimos nos agarrar. Não importa qual ele seja, desde que a luta seja feita de forma nobre.

Diariamente, de forma consciente ou não, escolhemos as nossas próprias batalhas. Seja com os inimigos internos ou externos, a luta sempre haverá. Mesmo que ela seja feita deitada numa cama, num quarto vazio, estaremos combatendo os nossos fantasmas.

Antes de começar a compreender a sabedoria dos òrìsà, eu acreditava que todas as lutas eram dignas, sem exceção. Por muito tempo confundi coragem com impulsividade, eu brigava por verdades que faziam sentido para mim e com todas as pessoas que se opunham à elas, sem respeitar suas visões particulares, suas escolhas e seus segredos. E foi na lida que aprendi que a maioria das pessoas não querem saber qual é a sua opinião, e as que querem muitas vezes a usam futuramente contra nós. Foi assim que aprendi mais sobre o poder do silêncio.

Viver em sociedade é uma grande aprendizado.

Certo dia sentada escutando uma palestra sobre o òrìsà Ori, aprendi que o corpo morre e é devolvido para a Terra, mas o nosso Ori nos acompanha em um longa viagem pelo mar sem retornar*.

Também aprendi com os meus sacerdotes que Ori retorna muitas e muitas vezes. E a cada retorno ele aprende, constrói, destrói, acerta, erra e conserta. A cada nova vida a construção e formação desse Ori está sendo feito de um modo que ele vai ganhando sabedoria e poder. Como se fosse ganhando prática, sabe?

Acredito que cada Ori possui uma memória ancestral de suas próprias vidas, guardada em algum lugar.

A ciência afirma que a consciência de nossos pensamentos representam apenas algo em torno de 5%, os outros 95% são formados pelo o inconsciente e o subconsciente. Eu acredito, e isso é uma opinião pessoal, que talvez essas memórias ancestrais possam estar por lá gravadas e guardadas, apenas não temos acesso consciente à elas.

Compreendi até agora em meus estudos, vivência e observação, que o meu Ori é capaz de mudar a minha vida de hoje para amanhã, de tão poderoso que ele é. Mas essa não é uma característica do meu Ori, e sim do de todos nós.

Respeitar o outro é também um ato de inteligência dentro da nossa filosofia, afinal quando desrespeitamos alguém, iniciamos uma briga com o Ori daquela pessoa. E nunca temos como saber o quão sábio e forte é aquele Ori. Podemos estar travando brigas perdidas.

A força de Ori interage com Universo, com o meio, com outros Ori e com a realidade que vivemos. Acredito inclusive que muitas magias na verdade não são feitas por aqueles que as manipulam, e sim pelas nossas mentes (lê-se aqui Ori) e a nossa fé.

Como devota/filha de Ogun, aprendi que devo escolher a dedo as brigas que começo e as provocações que aceito. Por alguns motivos, mas três deles são:

1º - Guarde sua energia para o que lhe é caro, como sua saúde, sua sobrevivência e a sua família.

2º - Asé é algo difícil de se adquirir, não desperdice em vão

3º - Respeite o Ori de todas as pessoas, você nunca sabe o quão antigo aquele Ori pode ser.

Há atitudes na vida que se não a temos por natureza, precisamos adquiri-las por esperteza mesmo, até que se torne um hábito. O respeito a todos e a humildade são bons exemplos.

Entre tantas coisas, aprendi que jamais devemos subestimar o Ori de ninguém, não viemos com rótulos, e padrões podem mudar sem aviso prévio. Religião, cor, opção sexual, classe social e conta bancária não dizem nada sobre o poder de um Ori.

Eu optei acordar todos os dias e colecionar Ori amigos que possam me abençoar e me enviar boas energias ao invés de me desejar o mal e o fracasso, assim como decidi cortar pessoas que estão sempre em busca de guerras. O ideal é evitar ao máximo fazer inimigos. Claro que há vezes quando menos percebemos, estamos no meio de grandes brigas, no olho do furacão. Cabe a nós decidir se vale ou não a pena seguir em frente.

Por mais que a gente evite criar inimigos ou brigas, muitas delas vão acontecer. Algumas delas serão necessárias, mas suas causas precisam ser substanciais. A nós devotos de Orisa, cabe brigarmos com armas nobres e não permitir que a emoção tome a frente. Precisamos ser racionais e justos, principalmente nessas horas.

Um filho(a)/devoto(a) de Ogun não deve ser briguento e jamais deve se deixar dominar pelas emoções. É o que Ogun nos ensina, através de um dos seus *itan mais conhecidos em terra Yorùbá. História que narra a saga de Ogun em Ire Ekiti, cidade de seu filho Ire, local em que ele comete uma grande injustiça, e paga com sua própria vida por agir com ira e impaciência.

Se somos filhos desse Òrìsà, precisamos estar atentos aos seus ensinamentos.

Que Ogun possa abençoar o Ori de todos nós, e defender todos aqueles de bom caráter, bom coração e alma nobre de seus inimigos visíveis e não visíveis, declarados ou não. Que possamos ter sabedoria para escolhermos as nossas guerras pessoais. Que possamos guardar força e energia para as batalhas que realmente valham a pena.

Ire O

Ifásola Sówùnmí - Fê Aguiar

Saiba mais sobre a autora AQUI.

Fonte Oral da palestra citada:

Babalorixá Fernando Ifaseun, um dos sacerdotes do Templo dos Deuses Africanos Egbé Aiyé, vinculado ao Oduduwa Templo dos Orixás, que tem como o principal sacerdote o Babalorixá Sikiru Salami (Babá King).

*Extrato do Odu Ogunda Meji - Livro Ifá An Exposition of Odu Corpus - Wande Abimbola - Tradução de Luiz L. Marins

*Todos os aprendizados deste texto conferem a minha experiência dentro da minha família espiritual, e não necessariamente são compatíveis dentro de outras famílias em Yorubaland.

Imagem: Pinterest - Foto de makeup_bydiana em Flickr

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